Na unidade médica, a mulher alegou ter caído no banheiro. Porém, os médicos e enfermeiros do local não acreditaram e a ajudaram a denunciar o crime.
A empregada doméstica Heloísa Santana* denuncia o ex-marido por agredi-la com uma chave de fenda, em Jandaia. O crime aconteceu na noite de segunda-feira (15). Ela acionou a polícia após ser encorajada pela equipe médica que a atendeu, depois que convenceu o próprio agressor a levá-la ao Hospital Municipal de Jandaia.
Heloísa explica que nunca teve coragem de denunciar o homem, pois sentia medo. Dessa vez, ela afirma ter prometido que não o denunciaria para convence-lo de leva-la à unidade de saúde.
“Não foi a primeira vez, foi a quinta agressão. Mas, nunca teve essa proporção. Eu estava sangrando muito e comecei a vomitar, implorei pra ele me levar ao médico. Ele concordou, mas se eu não chamasse a polícia. Eu disse que não ia chamar e ele ficou dentro do carro me esperando. Lá no hospital, quando o médico perguntou o que havia acontecido, menti. Disse que tinha caído no banheiro.
O médico não acreditou, disse que eu tava mentindo e que não ia me deixar sair de lá enquanto não denunciasse”, relata Heloísa.
O relacionamento abusivo
Segundo a diarista, ela e o ex-companheiro estavam juntos há 4 anos. Ao longo do relacionamento, o homem começou a apresentar sinais de agressividade e ciúmes. Com isso, as discussões passaram a ser mais constantes e as brigas cada vez mais calorosas. Porém, de acordo com ela, os conflitos eram se revezavam entre momentos de calma e também de manipulação e ameaça.
“Ele me manipulava, dizia que ia fazer algo ruim com a minha filha, de outro relacionamento”, acrescenta Heloísa. Depois da violência psicológica, Heloísa lembra que o ex-companheiro lhe agrediu a primeira vez. Ela admite que nunca teve coragem de denunciar o parceiro, pois sentia medo de mais episódios violentos.
Calmaria seguida de ataque
Quando decidiu por fim ao relacionamento e também ao ciclo de violência doméstica, Heloísa diz que o companheiro saiu de casa. Ela classificou o momento como ‘tranquilo’, uma espécie de calmaria antes dos novos ataques.
“Uns vinte dias que ele tinha ido embora tava tranquilo. Agora, acredito que ele estava planejando algo, porque sempre que eu chegava em casa já trancava o portão de medo. Eu mantinha a porta trancada sempre que tava sozinha. Mas, ele me pegou de surpresa. Chegou calado, pulou o muro e arrombou a porta. Quando me viu já começou a me furar com a chave de fenda, dando murros e chutes”, lembra a diarista.
Em algumas das imagens disponibilizadas pela vítima à Polícia Civil, é possível ver hematomas e cortes espalhados por todo o corpo de Heloísa. Além disso, há registros da porta da casa arrombada e da cama da diarista, com manchas de sangue.
“Sequestro”
Além de agredir Heloísa, o suspeito ainda a sequestrou, conforme consta no boletim de ocorrência. Segundo o documento, o ex-marido a forçou a entrar em um carro e a levou para uma área de vegetação com pouco movimento. Lá, a vítima lembra que as agressões continuaram de forma ainda mais intensa.
Também foi neste local, que a Heloísa lembra que começou a vomitar e implorar ainda mais para que o homem parasse de lhe machucar. Ela conseguiu convencer o suspeito de levá-la ao hospital da cidade, sob a promessa de não denunciá-lo.
Na unidade médica, ela alegou ter caído no banheiro. Porém, os médicos e enfermeiros do local não acreditaram e ajudaram Heloísa a denunciar o ex-companheiro. Ainda no hospital, ela recebeu os primeiros cuidados, como a sutura de um corte profundo na testa, que teve mais de sete pontos.
Mesmo com a prisão, há insegurança
Com a autorização da vítima, os médicos acionaram a Polícia Militar. O homem, assim que percebeu a aproximação dos policiais tentou fugir. Mas, acabou capturado. Segundo Heloísa, ele continua preso por conta do flagrante de violência doméstica.
Além da prisão do ex-marido, a diarista também entrou com uma medida protetiva de urgência. Assim, o homem, mesmo se for solto, precisa se manter distante dela. O que, em teoria, protege a mulher de novos episódios violentos.
Porém, não é incomum que agressores descumpram as ordens judiciais e voltem a atormentar as vítimas. Esse é um medo que Heloísa tem. “Tenho muito medo. A polícia pegou ele graças a Deus. Mas a gente sabe que é por poucos dias, não fica preso! Não posso ficar sozinha, porque quando ele sair vai me procurar. Vou precisar mudar de casa ou morar com alguém”, lamenta.
Apoio e encorajamento
Apesar da descrença nas leis e medidas de proteção, não há outra maneira de se por fim à violência de gênero que não pelas denúncias. Heloísa afirma que só denunciou porque o médico a apoiou e a encorajou a fazer isso. Além disso, ela conta que decidiu expor o caso depois de ler uma reportagem do Mais Goiás, feita nesta terça-feira (16).
“Eu vi que vocês fizeram um caso aqui da minha cidade também. Era uma mulher nunca situação tão ruim quanto a minha e pensei, ‘vou falar também’”, afirma Heloísa.
A reportagem procurou a Polícia Civil, a fim de saber o que os investigadores têm feito para conseguir manter o suspeito longe da vítima. Até o momento da publicação, o delegado responsável pelo caso em Jandaia ainda não respondeu.
No boletim de ocorrência constam os seguintes delitos contra o ex-marido de Heloísa: Lesão corporal doloso, ou seja, quando há intensão de ferir; sequestro e cárcere privado; violação de domicílio; tentativa de feminicídio. O Mais Goiás não localizou a defesa do suspeito para manifestação.
Este não é um caso isolado, saiba como denunciar
Esse não é um caso isolado de violência contra a mulher. De janeiro à setembro deste ano quase 8 mil mulheres foram vítimas de lesão corporal em Goiás. Além disso, 12.205 sofreram ameaça, outras 35 morreram por feminicídio. Os dados são do observatório da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP).
Dados do Governo Federal de 2019 revelaram também que 74% dos casos de denuncia ao Ligue 180 registraram casos de mulheres agredidas pelos maridos ou ex-companheiros. Outro ponto de alerta é que 55% das denúncias eram de mulheres negras.
O Ligue 180 presta uma escuta e acolhida às mulheres em situação de violência. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes, bem como reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento.
*Heloísa Santana é um nome fictício, usado para proteger a vítima
*Larissa Feitosa compõe programa de estágio do Mais Goiás sob supervisão de Hugo Oliveira.