Casos de câncer aumentam, e impacto maior é em países com pior índice sociodemográfico

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Os casos de câncer cresceram 26% de 2010 a 2019, quando foram registrados 23,6 milhões novos diagnósticos da doença em todo o mundo, ante 18,7 milhões em 2010. No mesmo período, as mortes causadas por câncer tiveram aumento de 20,9%, passando de 8,29 milhões, em 2010, para dez milhões, em 2019.

Além disso, mais de 250 milhões de anos de vida perdidos por incapacidade (DALY, na sigla em inglês) foram registrados pela doença no mesmo ano, um aumento de 16% em comparação ao início da década. Em 2010, esse número era de 216 milhões.

Os resultados são da análise do Peso Global do Câncer, publicado no fim de 2021, com dados de 204 países e territórios, incluindo o Brasil. O relatório substitui a versão anterior, de 2017, que havia apontado um crescimento de 33% no número de novos casos de 2007 a 2017.

Os cinco principais tipos de câncer reportados, excluindo os cânceres de pele do tipo não melanoma, foram: de pulmão, brônquios e traqueia, correspondendo a 18,3% do total de DALYs relacionados a câncer; colorretal (9,7%); estômago (8,9%); câncer de mama (8,2%); e fígado (5%).

Segundo especialistas, o DALY é o indicador que melhor ilustra como uma doença pode afetar a saúde populacional. Nele, são calculados os anos de vida perdidos pela doença (YLLs, na sigla em inglês), referentes a quantos anos menos de vida um indivíduo teve em relação à expectativa de vida populacional, e os anos convivendo com a doença (YLDs), que pode indicar perda na qualidade de vida.

Além dos dados de novos casos e novas mortes, o estudo avaliou a incidência e a mortalidade em diferentes regiões segundo o índice sociodemográfico (SDI), que reúne dados de escolaridade, renda per capita e quantidade de filhos até os 25 anos.

No estudo, países com SDI elevado registraram pela primeira vez o câncer como a principal causa de DALY na última década, frente às doenças cardiovasculares, que ainda representam globalmente a principal causa de mortalidade. Os países ricos também registraram o maior número de casos globalmente e maior incidência por faixa etária.

Já nos países de SDI médio, apesar de registrarem o maior número absoluto de DALYs relacionados ao câncer e o maior número de mortes, os autores ressaltaram que esses países concentraram também a maior faixa de população na análise.

Por fim, os países com menor SDI, apesar de registrarem os menores índices de incidência e casos de câncer, tiveram o maior aumento proporcional na última década e o maior peso do câncer na mortalidade populacional.

Para o epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP, Paulo Lotufo, assim como outras doenças chamadas não transmissíveis (DNTs), o peso do câncer está associado diretamente aos índices socioeconômicos. “Em São Paulo, há uma diferença entre as mulheres de classe média e alta e as de classes mais baixas em relação à incidência de câncer de colo de útero. As mulheres mais pobres têm uma mortalidade muito elevada desse tipo de câncer”, diz.

Na última década, houve também uma mudança significativa na posição dos principais tipos de câncer, com o câncer colorretal subindo de terceira para segunda principal causa de anos perdidos por doença, e o de fígado de sétima para quinta posição. Já o câncer de pulmão permaneceu, assim como nas análises anteriores, como o tipo de câncer mais comum, exceto o câncer de pele do tipo não melanoma.

Segundo a oncologista, cirurgiã de cabeça e pescoço e epidemiologista chefe do departamento de Epidemiologia e Estatística do Hospital A. C. Camargo, Maria Paula Curado, o fato de o câncer número um de casos e mortalidade ainda ser o de pulmão, que tem um fator de risco que pode ser prevenido, preocupa. “Apesar de ter várias políticas públicas para redução do tabagismo, ele continua sendo o câncer mais comum e a principal causa de anos perdidos por incapacidade”, diz.

Apesar de os índices terem melhorado em comparação a 2017, especialistas dizem que os novos casos de câncer em todo o mundo devem crescer nos próximos anos devido ao represamento de novos diagnósticos provocado pela pandemia de Covid-19.

Segundo os autores do estudo, é nas regiões mais pobres onde foi registrado o maior crescimento absoluto de casos e mortes relacionados a câncer entre 2010 e 2019, e a tendência de aumento pode levar à previsão de, até 2040, dois terços dos casos globais de câncer serem registrados em países com baixo SDI.

Para Curado, os casos em países de baixo índice sociodemográfico provavelmente estão represados, o que explica essa tendência de aumento até 2040. “Os países chamados em desenvolvimento estão aprendendo agora e adotando novas técnicas de diagnóstico e tratamentos, por isso vai haver um aumento na incidência nos próximos vinte anos”, diz.

Em relação às mortes, Lotufo afirma que há dois fatores que explicam esse aumento nos países de baixo SDI da mortalidade quando comparados aos países ricos. “Primeiro, o diagnóstico precoce, que nos países desenvolvidos é muito mais avançado. A outra é a expectativa de vida, que é também mais elevada nesses países. Quanto mais as pessoas vivem, maiores são as chances de descobrirem algum tipo de câncer, mas não necessariamente será a causa de morte delas”, explica.

A capacidade do sistema de saúde é outro fator limitante, segundo Curado. “O paciente com câncer hoje em um sistema de saúde público em países de baixo SDI sofre com a demora de exames, de tratamento, de tudo. O sistema ainda é injusto para esses pacientes”, afirma.

Com informações de Folha de São Paulo

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