O primeiro debate do segundo turno das eleições presidenciais entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), transmitido pela TV Bandeirantes, Uol e TV Cultura, contou com confrontos diretos e numerosas acusações entre os candidatos – sobretudo relacionadas a denúncias de corrupção contra Lula, por parte de Bolsonaro, e à gestão da pandemia feita pelo atual governo, por parte de Lula.
Regras mais flexíveis aprovadas entre a produção do programa e representantes das campanhas permitiram aos candidatos condições e espaço para apresentarem seus posicionamentos e suas propostas ao eleitor.
O primeiro bloco do debate, dedicado ao confronto direto entre os candidatos, foi marcado principalmente por discussões sobre a pandemia da Covid-19. Outros temas abordados pelos presidenciáveis no bloco foram segurança pública e investimentos em infraestrutura. O bloco também foi marcado por trocas de acusações sobre mentiras e corrupção entre os candidatos.
No segundo bloco, os presidenciáveis responderam a perguntas de jornalistas sobre temas como independências de poderes, fake news e posicionamento a respeito de eventuais mudanças na composição do Supremo Tribunal Federal (STF).
Já no terceiro e último bloco, novamente de confronto direto, Lula e Bolsonaro travaram embates principalmente sobre escândalos de corrupção durante o governo petista, mas também vieram à tona temas como a decretação de sigilos durante o governo Bolsonaro e políticas ambientais. Ao final, Lula teve um direito de resposta atendido pela produção do programa.
Como foi o primeiro bloco do debate
O primeiro bloco foi marcado por muitos embates entre Bolsonaro e Lula sobre assuntos relacionados à educação, à pandemia da Covid-19, ao Auxílio Brasil, à corrupção, ao crime organizado, à conclusão da transposição do Rio São Francisco e de outras obras. Antes, porém, os dois responderam a uma pergunta sobre como financiariam e cumpririam com as despesas de promessas de campanha.
Sobre os investimentos, Bolsonaro falou que os recursos para investir no país virão da aprovação de uma reforma tributária que, inclusive, asseguraria em 2023 o Auxílio Brasil a um benefício de, no mínimo, R$ 600, além de privatizações que seu governo apoiaria. Segundo ele, tudo seria feito dentro da responsabilidade fiscal.
Lula, por sua vez, acusou Bolsonaro de não ter enviado ao Congresso o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevendo o Auxílio Brasil em R$ 600 e disse que os recursos para financiar as propostas viriam de uma reforma tributária para taxar menos os pobres, com isenção do imposto de renda às famílias que recebem até R$ 5 mil, e propor uma tributação de lucros e dividendos aos ricos.
O debate sobre Auxílio Brasil voltou a dominar uma parte do primeiro bloco, com Bolsonaro defendendo a paternidade sobre o programa e destacando como o programa remunera mais que o antigo Bolsa Família, e Lula acusando o governo de não ter apoiado inicialmente o pagamento de R$ 600, mas, sim, R$ 200.
O petista questionou Bolsonaro sobre quantas universidades e escolas técnicas foram criadas, que rebateu lembrando que as instituições de ensino ficaram fechadas por dois anos durante a pandemia de 2019. Sobre educação, o atual presidente defendeu ter anistiado a dívida do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) de até 99% de estudantes e acusou Lula de ter endividado os jovens. O candidato petista, por sua vez, disse ter criado 18 universidades e 178 novos campus e disse que estudantes não precisavam pagar ao Fies enquanto estudavam.
Na sequência, os dois candidatos debateram a condução da pandemia. Lula acusou Bolsonaro de ter negligenciado a compra de vacinas, de corrupção acerca da Covaxin e de não ter tido empatia pelas pessoas mortas e famílias. “O senhor carrega nas costas um peso de pelo menos 400 mil pessoas que morreram pelo negligenciamento e negacionismo da vacina”, disse.
O presidente rebateu e disse que o governo federal foi o responsável por ter comprado todas as vacinas e negou ter demorado a adquiri-las. “Não existia vacina à venda em 2020; a primeira foi aplicada em dezembro de 2020. Em janeiro do ano seguinte, um mês depois, o Brasil começou a vacinar”, declarou Bolsonaro. O candidato à reeleição citou o Consórcio do Nordeste e associou Carlos Gabas, ex-ministro de Dilma Rousseff (PT), a supostos desvios de respiradores.
Ainda sobre corrupção, Bolsonaro acusou as gestões petistas de terem falhado em concluir a obra da Transposição do São Francisco por desvios de recursos. “O senhor negou água para os seus irmãos nordestinos”, disse o presidente. “O senhor fez na verdade uma obra que não chegava a lugar nenhum”, complementou.
Lula se defendeu e disse que sua gestão foi a responsável por ter concluído 88% das obras e que Bolsonaro teria feito 3,5%. O petista também disse que as gestões petistas foram responsáveis por outras obras que o atual governo assume a paternidade. “Você poderia ter a sensatez de dizer que a obra é do presidente Lula, ‘ele fez mais competente do que eu, eu só vou aqui dar um empurrãozinho'”, disse.
Em pergunta de Bolsonaro, os dois candidatos também discutiram sobre crime organizado, quando o presidente questionou Lula sobre não ter transferido para uma penitenciária de segurança máxima federal, em 2006, o narcotraficante Marcos Camacho, o “Marcola”. Na ocasião, aproveitou para dizer que o petista tem “amizade com bandido”, que, em seu governo, o crime foi combatido, e acusou o ex-presidente de ter “afinidade” com traficantes ao citar a agenda de campanha de Lula no Complexo do Alemão.
Lula se defendeu e disse ter feito cinco presídios de segurança máxima. “Quantas você fez? Nenhum”, declarou. Sobre a não transferência de Marcola, disse ter seguido uma decisão do então governador de São Paulo à época, Geraldo Alckmin, atual vice do petista. Acusou o presidente de ter relação com milícias e desassociou a imagem de moradores das favelas a traficantes.
No segundo bloco, presidenciáveis responderam a perguntas de jornalistas
No segundo bloco, os candidatos responderam a perguntas feitas por jornalistas dos veículos que organizaram o debate. O primeiro questionamento feito aos dois presidenciáveis foi relacionado à independência dos poderes, bem como à opinião de ambos sobre propostas em tramitação no Congresso que versem sobre mudanças na composição do Supremo Tribunal Federal (STF).
Lula comparou mudanças na composição da Suprema Corte à ação de ditaduras e defendeu que os ministros nomeados em seu governo “tiveram postura de dignididade”. “Tentar mexer na Suprema Corte para colocar amigo, companheiro, partidário é um atraso, é um retrocesso que a República brasileira já conhece e eu sou contra”. O ex-presidente afirmou, no entanto, que em eventual nova Constitução Federal poderiam ser discutidos aspectos como existência de mandato para os ministros do Supremo.
Bolsonaro, em sua resposta, disse que em 2013 Dilma Rousseff (PT), durante seu mandato, tentou criar mais quatro vagas para o STF. “Da minha parte está feito o compromisso: não terá nenhuma proposta [de mudança na composição]”, declarou. “No momento, o PT tem sete ministros indicados para o STF. Eu tenho dois. Caso eu venha a ser reeleito, eu terei mais dois. Eu ficaria com quatro e o PT, com cinco. Está feito o equilíbrio”.
Bolsonaro disse, ainda, que Lula só está disputando a eleição por “obra e graça” do ministro do STF Edson Fachin, em referência à anulação, por parte do ministro, de condenações de Lula relacionadas à Lava Jato, o que, ao ser confirmado pelo Plenário do Supremo, permitiu que o ex-presidente se tornasse novamente elegível.
A segunda pergunta tratou de economia sob dois aspectos: origem dos recursos para financiar o Auxílio Brasil e políticas de preços e privatização da Petrobras. Bolsonaro destacou efeitos externos, como a pandemia e a guerra na Ucrânia, para a alta do preço de combustíveis em todo o mundo e defendeu que o governo buscou propostas junto ao Congresso, o que resultou na proposta aprovada, que diminuiu impostos federais e o ICMS sobre os combustíveis e ocasionou redução de preços. “Temos hoje uma das gasolinas mais baratas do mundo. Trabalho de quem: Jair Bolsonaro e Congresso Nacional”, declarou.
Lula, em sua resposta, argumentou que nos últimos anos o Brasil reduziu o refinamento do petróleo, o que teria resultado em maior importação de combustíveis e, consequentemente, na alta dos preços. Sobre privatização da Petrobras, disse que é contrário. “Acho que privatizar a Petrobras é uma loucura”. Ambos os candidatos não abordaram a origem dos recursos para financiamento do programa de renda.
A pergunta seguinte se tratou de fake news – os presidenciáveis foram questionados sobre seu compromisso com a proposição de lei, caso eleitos, com penalizações a autoridades do governo, incluindo presidente da República, que viessem a transmitir informações falsas.
O candidato petista acusou Bolsonaro de ser disseminador de fake news durante a campanha eleitoral, mas evitou responder a pergunta. O atual presidente criticou palavras usadas por Lula contra ele, como “genocida” e “miliciano”, que seriam notícias falsas em relação ao presidente.
Em seguida, mencionou decisão do ministro Alexandre de Moraes deste domingo (16), que barrou uma propaganda eleitoral da campanha de Lula que tentava vincular a imagem de Bolsonaro à pedofilia. O ministro considerou que havia “fato sabidamente inverídico” na inserção da campanha petista.
Na quarta e última pergunta, os candidatos foram questionados sobre “compra” de apoio e parlamentares para aprovação de propostas de interesse do governo. O atual presidente negou envolvimento com o chamado Orçamento Secreto. “Eu não tenho nada a ver com esse orçamento secreto. Posso até entender que o Parlamento trabalha melhor na distribuição de renda do que nós, do lado de cá, o meu ministério da Economia e o presidente. Agora, por favor, falar que comprei com orçamento secreto…”.
Já Lula disse que tentaria criar o “orçamento participativo”. “Vamos pegar o orçamento e vamos mandar para o povo dar opinião para saber o que o povo quer que efetivamente seja feito para ver se a gente consegue diminuir o poder de sequestro que o Centrão fez do presidente Bolsonaro”, afirmou.
Terceiro bloco tem novos confrontos entre Bolsonaro e Lula
O terceiro bloco do debate foi marcado por novos embates e teve as discussões sobre corrupção como o tema mais abordado. As pautas econômicas e ambientais também receberam destaque. Antes, porém, Lula e Bolsonaro responderam a uma pergunta sobre como resolveriam o problema da defasagem educacional.
Lula disse que, se eleito, vai se reunir com governadores e prefeitos para discutir o tema. Prometeu “compartilhar” com os gestores estaduais e municipais a “responsabilidade de recuperar essas aulas para que os meninos possam aprender mais” e disse faria um “verdadeiro mutirão”, com convites a professores para trabalhar inclusive aos sábados o que não foi aprendido durante a pandemia.
Em resposta sobre a defasagem educacional, Bolsonaro disse que seu governo já tem adotado esforços nessa área e citou o “GraphoGame”, aplicativo do Ministério da Educação que tem o objetivo de auxiliar no aprendizado dos estudantes. Ele também disse que, no “tempo de Lula”, as crianças levavam três anos para ser alfabetizada e, segundo ele, em sua gestão, levam seis meses.
Na sequência, Bolsonaro falou sobre os escândalos do Petrolão, com destaque para a corrupção na Petrobras, e disse para Lula responder uma pergunta que foi respondida no bloco anterior. Em resposta, o petista falou que seu governo foi o responsável por ter conduzido a política de extração do pré-sal e valorização da estatal.
O ex-presidente também enalteceu sua gestão ao destacar a criação do Portal da Transparência e criticou os impactos das investigações da Operação Lava Jato às empresas e aos empregos gerados por empreiteiras no país. “Esse foi o desastre do Brasil de uma empresa que poderia estar exportando derivados [de petróleo] e poderia estar ganhando muito mais dinheiro do que está. Não tenho problema de explicar petrolão ou petrolinho”, rebateu.
Em seguida, Bolsonaro acusou as gestões petistas de terem investido em refinarias que não foram concluídas e citou as empresas e delatores que devolveram recursos desviados de corrupção. As falas induziram Lula a dizer que crimes podem ter ocorrido “pois as pessoas se confessaram”. “Quando confessa é porque comete crime”, disse. “Que houve roubo, pode ter havido. Mas o que quero dizer é que para combater não precisava fechar as empresas”, acrescentou.
Após o debate sobre corrupção, os dois falaram sobre economia. Lula defendeu que, em seus governos, a atividade econômica teve boas médias de desenvolvimento e classificou o atual ritmo como “atrofiado”. “E eu quando deixei a presidência crescia 7,5%”, declarou.
Bolsonaro rebateu e disse que em 2015 e 2016, os últimos de Dilma Rousseff, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 7,5% (a queda foi de 7,2%). E disse que o tombo foi provocado não por uma pandemia e uma guerra, mas por “corrupção em abundância”. “Com uma pandemia, uma guerra lá fora e crise ideológica, nós ficamos no ‘0 a 0′”, destacou.
Os dois candidatos também falaram sobre a pauta ambiental. Lula acusou o governo Bolsonaro de ter ampliado o desmatamento e disse que, se eleito, vai cuidar da Amazônia. “Vamos tentar fazer da biodiversidade uma forma de enriquecimento das pessoas que moram lá e não desmatar e desmontar como vocês estão fazendo”, disse.
O presidente disse que, em seu governo, o desmatamento foi menor que entre 2003 e 2006, e acusou Lula de querer dividir a biodiversidade da Amazônia com o mundo. “Você já está se curvando ao mundo. Em vez de falar que a Amazônia é nossa, quer dividir a biodiversidade. Só consegue manter em pé suas mentiras se botar um plano que todos já sabem”, comentou.
Ao fim do bloco, Bolsonaro buscou associar Lula aos ditadores Daniel Ortega, de Nicarágua, e Nicolás Maduro, da Venezuela, e aos presidentes da Argentina, Alberto Fernández, e da Colômbia, Gustavo Petro. A Fernández, o presidente associou à crise econômica no país. A Petro, associou à descriminalização da cocaína. Sobre ditadores, o petista disse que os regimes dependem da população. “Se o Maduro erra, o povo que puna”, disse.
Com Lula sem tempo de fala ao fim do terceiro bloco, Bolsonaro fez reprisou várias das críticas feitas a Lula e defesas feitas por seu governo, como o Auxílio Brasil de R$ 600, e citou que ministros do STF como Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso já acusaram gestões petistas de roubo.
Como foram as considerações finais dos dois candidatos
Nas considerações finais, Bolsonaro disse que deseja um país onde seja respeitada a liberdade de expressão e usou o tempo de fala para se posicionar contra a ideologia de gênero. “Não queremos que nossos filhos, ao irem para a escola, frequentem o mesmo banheiro”, disse. “É a política do lado de lá”, acrescentou.
Também se disse contrário a uma política de legalização de drogas e acusou Lula de ter posicionamento contrário. “O lado de lá quer um país com drogas, não queremos liberar as drogas”, disse. Ele também se posicionou contra o aborto e a favor da vida desde sua concepção, bem como a favor da propriedade privada, contra o Movimento sem Terra (MST) “invadindo terras” e pregou “respeito ao homem do campo” e ao “direito à legítima defesa”.
Lula disse ter sido o responsável por sancionar a lei de liberdade religiosa e se declarou como o candidato que “defende a democracia e a liberdade”. Acusou Bolsonaro de querer “ocupar a Suprema Corte” e falou em governar o país democraticamente.
O petista também citou o número de que 33 milhões de pessoas passam fome. “Esse país, que é o maior produtor de alimentos, tem 33 milhões de pessoas passando fome. Pessoas na fila do osso. Quando falo do churrasco é que vamos voltar a consertar o país e vamos voltar a comer um churrasquinho e tomar cerveja”, disse.
Por Gazeta do Povo