“Há uma previsão de que a emissora vá cometer delitos e já se impõe que ela, de antemão, se abstenha. É aí que fica esse incômodo, a sensação de censura”, afirma a advogada Gisele Soares
Especialistas ouvidos pela CNN criticaram a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de restringir a Jovem Pan de tratar de fatos envolvendo a condenação do candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva.
Para a advogada Gisele Soares, a proibição dos jornalistas de falarem sobre o assunto, sob pena de multa, é equivocada. “Há uma previsão de que a emissora vá cometer delitos e já se impõe que ela, de antemão, se abstenha. É justamente aí que fica esse incômodo, a sensação de censura”, colocou.
A pedido da Coligação Brasil da Esperança — do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva —, foram concedidos, nesta quarta-feira (19), três direitos de resposta ao petista por falas feitas por jornalistas da emissora.
O pedido diz que comentaristas da emissora teriam proferido falas de conteúdo ofensivo e divulgado informações retiradas de contexto desfavoráveis ao ex-presidente. Também foi decidido que os jornalistas não podem falar sobre o assunto, sob pena de multa diária para o canal e para os jornalistas de R$ 25 mil.
Ainda segundo Gisele Soares, a ação também pode causar “receio” em outras emissoras, acrescentando que a liberdade de informação deve ser defendida.
“Estamos diante de um momento que precisamos defender sempre a liberdade de informação. Todo veículo que sofre algum tipo de limitação, ainda mais nesse caso, uma limitação preventiva, fica com um receio e causa receio em outras emissoras também”, afirmou a advogada à CNN.
Richard Campanari, especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), concorda.
“Reconheço que espaço para entrevista ou resposta sobre os temas devem ser garantidos ao candidato do PT, mas daí a fazer de críticas jornalísticas o instrumento de cerramento do debate, me parece um pouco demais”, disse.
“Não me parece que a emissora tenha recusado entrevistar o candidato ou lhe abrir espaço nos programas. Ao contrário, o que vemos é a negativa mais do que pública do candidato petista em comparecer na emissora”, acrescentou.
O advogado colocou ainda que a “liberdade do jornalista não é absoluta”, mas é preciso zelar pela igualdade de tratamento. “A cobertura e a crítica jornalística não estão impedidas no período eleitoral. O que veículos e canais de comunicação precisam garantir é um espaço paritário aos candidatos. Precisamos de paridade de condições e tratamento, o que a Jovem Pan tem garantido a olhos vistos, na minha avaliação”, disse.
“Atropelo à Constituição”
Para Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito Público Administrativo pela FGV, “a decisão judicial parece ter atropelado o direito constitucional de comunicação previsto na constituição, em que se garante a livre expressão, independentemente de censura ou licença”.
“A liberdade de imprensa diz respeito à garantia de comunicação de fatos e ideias, o que pressupõe, respectivamente, a liberdade de informação e de expressão”, disse a advogada à CNN.
Vera defende que os pedidos de direito de resposta ao suposto ofendido [Lula] “não merecem acolhida”, já que “não remetem a qualquer manifestação de abuso à sua honra e imagem, até porque é sabido por todos a situação enfrentada por Lula do ponto de vista jurídico legal e constitucional”, colocou. “Todas as falas apenas reproduziram e comentaram fatos verdadeiros e de conhecimento público”, acrescentou.
“A despeito das críticas extremamente duras, ácidas e até grosseiras, elas se inserem, sem sombra de dúvida, no exercício da liberdade de expressão”, completou a advogada.
Fernandes Neto, especialista em direito constitucional e eleitoral, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/CE, defendeu a liberdade de expressão. Criticou adjetivos usados por alguns jornalistas da Jovem Pan, mas disse ser “preocupante” a intervenção do TSE.
“É sempre muito preocupante quando há a necessidade da Justiça Eleitoral e, principalmente, do TSE, intervir em fatos que no dia a dia deveriam ser conduzidos pela própria imprensa. Quando você tensiona a Justiça Eleitoral para certas análises que vão além da razoabilidade, há sempre uma possibilidade de alguém considerar essa medida extravagante”, completou.
Entidades representativas do setor de comunicação como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel) repudiaram a decisão do TSE.
“As restrições estabelecidas pela legislação eleitoral não podem servir de instrumento para a relativização dos conceitos de liberdade de imprensa e de expressão, princípios de nossa democracia e do Estado de Direito”, afirmou a Abert, em nota.
Decisão do TSE
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a retirada do ar, de todas as plataformas da TV, de conteúdos de campanha eleitoral com a temática “Lula mais votado em presídios” e “Lula defende o crime”. O pedido foi feito pela Coligação Brasil da Esperança, de Lula. Na ação, os advogados pediram ainda o direito de resposta por comentários feitos por jornalistas da Jovem Pan.
Por 4 votos a 3, os ministros decidiram que os jornalistas da emissora não podem falar sobre o assunto, sob pena de multa diária para o canal e para os jornalistas de R$ 25 mil.
Segundo a decisão do TSE, o direito de resposta à campanha de Lula nos canais da Jovem Pan precisa ser dado em até dois dias “mediante emprego de mesmo impulsionamento de conteúdo eventualmente contratado, em mesmo veículo, espaço, local, horário, página eletrônica, tamanho, caracteres e outros elementos de realce utilizados na ofensa.”
Editorial da Jovem Pan
A Jovem Pan publicou um editorial nesta quarta-feira (19) a respeito da decisão do Tribunal Superior Eleitoral. No texto, que tem como título “Jovem Pan sob censura”, o canal diz que sempre se pautou em defesa das liberdades de expressão e de imprensa, promovendo o livre debate de ideias entre seus contratados e convidados”.
“Não há outra forma de encarar a questão: a Jovem Pan está, desde a segunda-feira, 17, sob censura instituída pelo Tribunal Superior Eleitoral. Não podemos, em nossa programação — no rádio, na TV e nas plataformas digitais —, falar sobre os fatos envolvendo a condenação do candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva. Não importa o contexto, a determinação do Tribunal é para que esses assuntos não sejam tratados na programação jornalística da emissora. Censura”, continua o texto.
Políticos criticam decisão do TSE
Após a decisão do TSE, políticos alinhados ao presidente Jair Bolsonaro (PL) se manifestaram nas redes sociais de forma contrária.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) declarou que “você pode não gostar de Bolsonaro, mas votar no PT significa apoiar a censura. São so advogados de Lula que pedem ao TSE para censurar a Jovem Pan, derrubar perfis conservadores e etc.”
O candidato ao governo do Rio Grande do Sul Onyx Lorenzoni (PL) afirmou que “a censura para sufocar a verdade e opiniões distintas daqueles que passam o dia criando narrativas mentirosas é inaceitável. Dia 30 é muito mais que uma eleição, é sobre liberdade.”
A deputada federal Carla Zambelli disse que “Se Bolsonaro ganhar você poderá continuar criticando-o à vontade. Se Lula ganhar…. Ainda é campanha e Lula já está censurando cidadãos comuns e imprensas. IMPRENSAS! Algo que Bolsonaro nunca fez e era inimaginável em um regime democrático.”
A CNN Brasil reitera sua defesa irrestrita da democracia e repudia, portanto, qualquer tipo de censura à liberdade de imprensa e de expressão.
Por CNN