Goiânia conta atualmente com a sexta maior frota de veículos automotores do país. De acordo com dados do Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran–GO), em 2022 a frota de Goiânia contava com cerca de 1.302,757, sendo que mais de 318 mil são motocicletas e 983.909 veículos de quatro ou mais rodas. Se levarmos em consideração os dados do IBGE, que apontam Goiânia com uma população maior que 1,5 milhões de habitantes, isso daria uma média próxima de um veículo por cada habitante.
Com tanto caminhão, ônibus e veículos leves circulando pelas ruas da cidade – que, aliás, não foi projetada para receber um número tão elevado de carros –, fica cada vez mais difícil a circulação por parte de motociclistas e, principalmente, ciclistas. O que se percebe pelas ruas e avenidas da capital é uma busca desenfreada por espaço, e o resultado de tudo isso são imprudências e muitos acidentes, cada vez mais fatais.
Os dados do ano de 2022, tanto em relação ao Estado, quanto em relação à capital, são alarmantes. Goiás liderou o ranking entre as capitais brasileiras em relação ao número de acidentes envolvendo ciclistas. Os números da Delegacia de Investigação de Crimes de Trânsito (DICT) revelam que somente na capital foram 17 acidentes fatais envolvendo essa modalidade. De um total de 197 ocorrências fatais, 127 foram com motociclistas.
A delegada titular da DICT, Maira Lídia Barcelos explica que, além do alto número, ainda foram contabilizados mais de seis mil registros de acontecimentos com lesão corporal. Segundo a delegada, a maior parte das ocorrências tinha envolvimento de motociclistas. Para ela, o fator que gerou maior preocupação foi o aumento de intercorrências abrangendo os ciclistas. “O número que não passava de dois ou três, agora saltou para 17 vítimas fatais”, disse. A delegada lamenta que muitos desses acidentes são por causa de imprudências dos próprios ciclistas.
Maira ratifica que, em relação aos motociclistas, infelizmente o número só aumenta a cada ano. “De 2021 até o início de 2023, os dados nos assustam. Percebemos que os acidentes estão cada vez mais violentos”, acrescenta. Ela deixa bem claro, que o principal motivo para tantos acidentes, é o desrespeito às leis de trânsito. “Em todos, uma, ou as duas partes deixou de observar o que determina a legislação, e por isso, o inevitável aconteceu. Acidentes dificilmente são fatalidades, na grande maioria são ocasionados por imprudências”.
A titular da DICT faz um alerta sobre as principais causas, que ainda predomina a alta velocidade, o desrespeito ao sinal de Pare e aos semáforos. Porém, ela faz uma ressalva quanto ao uso do celular, principalmente quando os envolvidos são entregadores. “Muitos estão pilotando olhando ao celular e não percebem um obstáculo à sua frente, vindo a colidir na traseira de carros parados ou até caçamba, por exemplo. Ainda existem os que estão na direção de uma moto embriagados, percebemos um aumento expressivo desse tipo de crime”, pontua.
Outro fator observado pela delegada, é o grande número de motociclistas sem habilitação. Para ela, isso gera um grande risco tanto para o motociclista quanto para os outros usuários das vias. “Este piloto é um ignorante em relação às leis de trânsito, com um potêncial altíssimo para se envolver em ocorrências graves”. No que diz respeito às más condições das vias públicas, Maira afirma que, é exatamente nesses casos que o condutor precisa redobrar a atenção, e não o contrário.
Intervenção governamental x comportamental
Horácio Ferreira, gerente de Educação para o Trânsito da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM), faz uma ressalva quanto aos dados apresentados pela delegacia de trânsito. Ele explica que, em primeiro lugar, é preciso fazer uma análise do que vem realmente ser um acidente com ciclistas. “Cada órgão tem um critério de análise do tipo de acidente. Para a SMM, um acidente envolve diretamente um ciclista somente quando o mesmo está montado. Ou seja, se ele estiver empurrando a bicicleta, ele é considerado um pedestre, assim fala o Código”, Afirma. Horácio alega que o motivo para um número tão expressivo de ocorrências fatais atingindo ciclistas, pode ser o fator de ser contabilizado tanto os que estão pedalando, quanto os que estão empurrando, como ciclistas. De acordo com ele, esta contabilidade é equivocada. Segundo os dados preliminares do primeiro e segundo quadrimestre de 2022 da SMM, oito ciclistas vieram a óbito.
De qualquer forma, Horácio reconhece que os números são estarrecedores. “A secretaria tem feito de tudo para que seja seguro pedalar em Goiânia. Porém, existem duas situações dentro de um cenário de violência no trânsito: aquela que é de intervenção governamental e a comportamental”. Na parte governamental, o gerente assegura que a prefeitura não tem medido esforços para dar mais segurança a todos que utilizam as vias da capital. “Estamos com diversos projetos de ciclovias, de ciclofaixas e aumentando a quilometragem da malha cicloviária da cidade. Além dos 97 quilômetros já existentes, outros 50 serão implementados muito em breve”, destaca.
Todavia, segundo Horácio, é preciso que o ciclista entenda quais são os seus deveres. “A legislação de trânsito é a mesma para o motorista, motociclista e também para o cliclista. Aqui entra a questão comportamental, que é individual de cada cidadão. O condutor de uma bicicleta não está livre para cometer infrações de trânsito”, salienta. Horácio deixa claro que a quantidade de cliclista que não observam as regras é baixa. Ele orienta a todos que desejam pedalar na capital que observem quais vias são as mais seguras.
Em relação a alta proporção de acidentes com motociclistas, ele argumenta que, quase sempre está a questão da imprudência. Horácio lembra de uma infração que a maioria dos motociclistas parecem desconhecer. “Andar em ziguezague, ou pilotar a moto nos corredores entre um veículo e outro, não é permitido pela legislação. A moto também é um veículo e, como tal, precisa estar atrás do veículo à sua frente, e não ao lado”, aponta. Ele garante, que a SMM tem aberto um diálogo com os grupos envolvidos para ouvir as demandas e aplicá-las na prática e que todos os projetos que serão executados, colocarão Goiânia em um patamar mais elevado em relação a outras capitais.
De acordo com o gerente, existe uma máxima no trânsito que é: “ver e ser visto”, essa regra jamais poderá ser quebrada. Principalmente para os que gostam ou precisam pedalar em períodos noturnos: “coloquem dispositivos luminosos na bicicleta, usem roupas de cores claras”.
Visão do especialista
Para Antenor Pinheiro, geógrafo, perito criminal de trânsito, pesquisador do Observatório das Metrópoles/Goiânia, são vários os fatores que favorecem esse auto índice de mortes das duas categorias analisadas. “Primeiro porque são os dois modais mais frágeis de circulação no Trânsito; segundo porque as velocidades da fluidez veicular urbana mantêm-se acima dos padrões universais de segurança viária que é de 30 a 40km/h. No caso das bicicletas, a carência de redes integradas cicloviárias exclusivas e seguras (ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas, vias cicláveis) ”, destaca.
O perito lembra que sem essas intervenções o ciclista precisa disputar espaço com os veículos automotores. Existem ainda um terceiro fator que, segundo Antenor, que é o péssimo processo de formação de condutores de motocicletas. Somando a isso, ele destaca ainda o modelo de desenvolvimento urbano adotado pelas sucessivas gestões das cidades, que priorizam o transporte individual em detrimento do coletivo.
Antenor enfatiza que basta o poder público fazer o que é de sua responsabilidade para que esses números caiam. “Falta gestão técnica. Basta aplicar a legislação em vigor tendo por corolário a Lei Federal de Mobilidade Urbana. A implementação de políticas públicas específicas para a redução da morbimortalidade no trânsito. Esse tipo de política pública estratégica, é hoje adotada em centenas de cidades mundo a fora, inclusive, na América Latina”, acentua. Segundo ele, os próprios números são um exemplo de que tudo está errado quando o assunto é segurança no trânsito.
O que pensam os usuários
João Melo, de 59 anos, se diz um apaixonado por bicicleta e faz uso da bike tanto por hobby, como também para ir ao trabalho. Por pelo menos três vezes durante a semana, João pedala da sua casa, no Setor Garavelo em Aparecida de Goiânia, até o seu trabalho, na Praça Nova Suíça, em Goiânia – um trajeto, contando com ida e volta, de aproximadamente 30 quilômetros. Apesar de gostar de pedalar, ele diz não se sentir seguro pedalando pelas ruas.
“Sou um ciclista consciente que respeito às leis de trânsito, uso todos os equipamentos exigidos para pedalar com segurança, mas vejo muitos ciclistas que não observam as regras das vias. Porém, infelizmente somos desrespeitados tanto pelos motoristas, quanto pelos motociclistas. Lamentavelmente, não é seguro pedalar na grande Goiânia”, afirma.
Ele diz que, somente nos trechos onde existe ciclovias, é que o ciclista tem mais tranquilidade, mas reclama por ser tão pouco ainda. “Todo o meu percurso tenho no máximo três quilômetros de ciclovia, que é a da T-63, o que é muito pouco”.
Questionado o porquê mesmo com a falta de segurança ele prefere ir ao trabalho de bicicleta, Melo, é enfático em responder: “Gasto em média 33 minutos na minha bike, se eu optar pelo transporte coletivo, levarei mais de uma hora até o meu destino. Se houvesse mais ciclovias, esses 33 minutos diminuiriam para uns 20”.
Lucas Vinícius, 31 anos, usa a motocicleta para trabalhar como entregador em uma farmácia e nas horas vagas também atua como delivery. Lucas concorda com o que diz a delegada Maira e Horácio Ferreira, no tocante a imprudência dos motociclistas. “Eu piloto corretamente, observo todas as leis de trânsito, tanto para minha segurança, como também a dos outros. No entanto, a grande maioria dos motoqueiros são imprudentes, não respeitam a sinalização, furam sinal, sobem em calçadas, andam igual loucos em alta velocidade”, disse.
Ele ainda destaca que, somado a tudo isso, tem a questão de grande parte dos motoristas não respeitarem os motociclistas. Contudo, Lucas faz questão de destacar que, é mesmo a imprudência que provoca esse número tão alto de acidentes fatais. “Os motoqueiros são tensos mesmo”, salienta.