Crescimento da população de rua em Goiânia desafia candidatos nas eleições

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O crescimento expressivo da população em situação de rua em Goiânia nos últimos anos trouxe o tema para o centro do debate eleitoral de 2024. Com aproximadamente 2,5 mil pessoas vivendo nas ruas da capital goiana, os candidatos à prefeitura se comprometem a apresentar novas políticas públicas de assistência e reabilitação. Mas quais são as visões dos concorrentes sobre essa crise social? E que soluções propõem para um problema que afeta tanto as pessoas em vulnerabilidade quanto comerciantes e moradores da região central?
A crise econômica, intensificada pela pandemia, fez disparar o número de pessoas em situação de rua em Goiânia. Enquanto nomes como Adriana Accorsi (PT) prometem expandir a infraestrutura de assistência social, Fred Rodrigues (PL) aposta em parcerias público-privadas para gerar emprego e renda. Especialistas analisam as propostas e destacam a urgência de políticas integradas que contemplem saúde mental e apoio social como forma de atenuar o problema.
A crise das pessoas em situação de rua em Goiânia reflete um desafio social mais profundo, que demanda a colaboração entre o poder público, a sociedade civil e o setor privado. As eleições de 2024 colocam essa questão no centro do debate político.
Contexto social
Nos últimos cinco anos, o número de pessoas vivendo em situação de rua em Goiânia mais que dobrou. Em 2019, estimava-se que cerca de 1,2 mil pessoas viviam nas ruas da capital, segundo dados do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Criminalidade e Violência (Necrivi), da Universidade Federal de Goiás (UFG). Atualmente, esse número gira em torno de 2,5 mil moradores, de acordo com a Superintendência de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Seds), representando um aumento de 108% desde o início da pandemia de covid-19.
 
Esse crescimento exponencial reflete uma combinação de fatores, como o agravamento da crise econômica, o desemprego, o aumento do custo de vida, especialmente os preços dos aluguéis, e a falta de uma rede de proteção social eficaz. Para muitos, viver nas ruas tornou-se a única alternativa frente à precariedade econômica.
 
Reclamações
O aumento da população em situação de rua também afeta diretamente os comerciantes e moradores das regiões centrais de Goiânia, que enfrentam desafios relacionados à segurança, limpeza e atração de clientes. Para Silvaneide Sousa Valente, comerciante da Região da Rua 44, a situação se agravou a ponto de afastar parte da clientela. “O mau cheiro, o uso de drogas e a presença constante de pessoas em situação de rua afastam os clientes. Além disso, a falta de segurança se tornou uma preocupação diária”, desabafa a lojista.
 
A falta de fiscalização constante e de ações preventivas contribui para um cenário de abandono, segundo os comerciantes. Para Dalva Magalhães, que também trabalha na região, a insegurança e a iluminação precária são fatores que afastam turistas e moradores. “Há muita movimentação, mas a iluminação pública já foi embora, o que torna perigoso até para quem passa pela região”, comenta Dalva.
 
O que propõem os candidatos?
Diante desse cenário alarmante, os candidatos à prefeitura de Goiânia trazem diferentes propostas para enfrentar o problema. Adriana Accorsi (PT) promete priorizar o cuidado com as pessoas em situação de rua, integrando recursos federais para melhorar a assistência social. Segundo a candidata, que já participou da elaboração da Política Nacional para a População em Situação de Rua, é fundamental “tratar essas pessoas com dignidade, como seres humanos, e não as abandonar como se não fossem parte da sociedade”. Entre suas propostas, está a criação de um plano municipal de segurança integrado aos governos estadual e federal para enfrentar a violência que também afeta essa população vulnerável.
 
Já Fred Rodrigues (PL) tem uma visão voltada para a criação de oportunidades econômicas. Ele defende a criação de uma Secretaria de Parcerias Público-Privadas para fomentar o empreendedorismo, com a ideia de que a geração de emprego e renda pode ajudar a reduzir a população em situação de rua. “O Estado não pode ser o único responsável por gerar emprego, mas precisa apoiar quem está tentando tirar seu sustento. Parcerias com o setor privado podem criar oportunidades para essas pessoas”, afirma Fred.
 
Matheus Ribeiro (PSDB), por sua vez, foca na assistência social e na saúde mental. Ele propõe unir esforços para oferecer tratamento especializado a pessoas em situação de rua que enfrentam dependência química ou problemas psiquiátricos graves. “Esse problema não se resolve apenas construindo moradias, é preciso tratar as causas profundas, como a dependência química e os transtornos mentais”, destaca Matheus. Ele também critica propostas simplistas que sugerem apenas “mandar essas pessoas de volta para casa”, sem oferecer uma solução real.
 
Professor Pantaleão (UP) traz uma abordagem mais assistencialista, propondo a criação de casas de passagem para pessoas em situação de rua que estejam à procura de emprego. O objetivo é garantir que essas pessoas tenham apoio e condições para retornar ao mercado de trabalho. Além disso, Pantaleão enfatiza a necessidade de equidade no atendimento às populações vulneráveis, como indígenas, negros e LGBTQIA+.
 
Por fim, o atual prefeito Rogério Cruz (Republicanos) promete fortalecer a estrutura de assistência social com o programa “Cuida de Gente Goiânia”. A proposta inclui ampliar o número de unidades de acolhimento e centros de referência para a população em situação de rua, oferecendo serviços que vão desde assistência alimentar até o tratamento de saúde mental.
 
Sandro Mabel (União Brasil) propõe fortalecer a dignidade das pessoas em situação de rua por meio de parcerias público-privadas com entidades assistenciais e do terceiro setor, buscando soluções conjuntas para oferecer apoio a essa população vulnerável. Vanderlan Cardoso (PSD) pretende dar apoio as pessoas em situação de rua e pessoas em estado de vulnerabilidade. Ele pretende reforçar a estrutura governamental e buscar parcerias público privadas com entidades do terceiro setor, religiosas, entidades assistenciais e organizações estruturadas para assistir as pessoas. 
 
O que falta nas propostas?
Apesar das boas intenções apresentadas pelos candidatos à prefeitura de Goiânia, os especialistas consultados apontam que ainda há lacunas significativas nas propostas, que precisam ser corrigidas para alcançar resultados efetivos. Carlos Almeida, sociólogo, destaca que muitas das soluções apresentadas caem em uma lógica higienista, que busca “limpar” as áreas de convivência e comércio, sem resolver as causas estruturais que levam as pessoas a viverem nas ruas. Segundo ele, essa abordagem superficial pode até gerar resultados a curto prazo, mas não resolve o problema de forma sustentável.
 
“O que observamos em algumas propostas é uma preocupação excessiva com a imagem da cidade e com a remoção dessas pessoas das áreas centrais, sem um plano concreto de reinserção social. Precisamos pensar além de apenas retirar pessoas em situação de rua dos espaços públicos; é fundamental garantir que essas pessoas tenham acesso a moradia, saúde e oportunidades de emprego,” afirma Carlos. Ele ainda ressalta que, sem esse tipo de intervenção, as ações acabam se tornando meramente cosméticas e não lidam com as raízes do problema.
 
Maria Clara Souza, assistente social, acrescenta que qualquer política voltada para pessoas em situação de rua deve necessariamente incluir ações preventivas e de longo prazo. Ela observa que a maior parte das propostas dos candidatos não menciona com clareza como será feito o acompanhamento dessas pessoas após um possível acolhimento inicial. “O foco não pode ser apenas abrigar temporariamente. É preciso garantir políticas de acompanhamento contínuo, com suporte psicológico e de saúde, para que essas pessoas possam de fato sair da condição de rua e reconstruir suas vidas,” alerta Maria Clara.
 
Além disso, Carlos Almeida aponta que a abordagem de reinserção no mercado de trabalho precisa ser mais detalhada. Ele sugere que os candidatos ampliem suas propostas para incluir programas de capacitação e requalificação profissional para as pessoas em situação de rua. “É inviável pensar que apenas oferecer vagas temporárias ou de baixa qualificação vai resolver o problema. Sem educação e capacitação adequadas, essas pessoas continuam em um ciclo de precariedade,” explica o sociólogo. Ele defende que seja criado um sistema de inclusão social, com foco na qualificação, que ofereça uma real perspectiva de mudança de vida para esses cidadãos.
 
Por fim, tanto Carlos quanto Maria Clara destacam a necessidade de que as políticas públicas sejam acompanhadas de financiamento adequado e articulação intersetorial. Sem isso, as iniciativas podem se perder no meio do caminho ou se tornarem insuficientes. “Não basta apenas criar programas ou inaugurar centros de acolhimento. É preciso garantir que haja recursos contínuos e uma integração entre os diferentes setores — saúde, assistência social, trabalho e habitação — para que essas ações sejam de fato eficazes,” afirma Maria Clara. Ela também lembra que, sem a participação da sociedade civil e de organizações não governamentais, o poder público muitas vezes não consegue atingir todas as camadas dessa população vulnerável.
 
Portanto, os especialistas são unânimes em afirmar que é essencial que as políticas não se limitem a “limpar” os espaços públicos, mas que ofereçam dignidade, acompanhamento integral e oportunidades de reintegração social e econômica para as pessoas em situação de rua. Sem essas correções, os programas podem acabar apenas deslocando o problema para outras áreas da cidade, sem resolvê-lo de maneira significativa.
Por ar

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