O Ministério Público investiga a Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe) e o padre Robson, presidente das Afipes (são três), por suposta apropriação indébita, lavagem de dinheiro, falsificação de documentos e sonegação fiscal. Contudo, a Operação Vendilhões, deflagrada nesta sexta-feira (21), teve outros alvos.
Em decisão expedida pela juíza Placidina Pires, da Vara dos Feitos Relativos a Organizações Criminosas e Lavagem de Capitais, a magistrada destaca no seu relatório que os crimes teriam sido cometidos por uma organização criminosa integrada pelo padre Robson de Oliveira Pereira e pessoas de sua confiança.
“O MP afirmou que, a partir dos dados e provas coletados, foi possível verificar uma enorme teia de possíveis envolvidos na prática criminosa, que, sistematicamente, vêm se valendo do poder que o investigado Padre tem nas Afipes para se utilizar indevidamente do patrimônio das associações em beneficio próprio.” Segundo exposto, as Afipes aparecem realizando “milhares de operações imobiliárias, muitas delas com indícios de elevado prejuízo material”.
Ou seja, há indícios de que os investigados estão utilizando o patrimônio das Afipes em benefício próprio.
Pessoas de confiança
Uma das pessoas de confiança do padre Robson, que aparece na decisão, é Rouane Carolina Azevedo Martins. Segundo o documento, trata-se do “braço direito” do religioso. Ela é funcionária da Afipe e possui procuração para atuar em nome das associações, com poderes específicos para movimentações bancárias, tendo, inclusive, participação ativa nos pagamentos feito pelas Afipes, à época do processo de extorsão sofrido pelo padre Robson, há cerca de dois anos.
O empresário Onivaldo Oliveira Cabriny Costa Júnior, o vice-prefeito de Trindade Gleysson Cabriny de Almeida Costa e Bráulio Carbiny de Almeida Costa, teriam efetuado “inúmeras” operações com as associações. Onivaldo e Gleysson estariam nos quadros societários de pessoas jurídicas diversas do ramo de comunicações (Sistema Alpha de Comunicação Ltda. e Rede Demais Comunicação Ltda.), que receberam “vultuosas quantias em dinheiro das Afipes, tendo ainda realizado diversas transações imobiliárias”.
Ainda sobre Onivaldo, ele teria sido citado, à época das investigações da extorsão contra Padre Robson, como a pessoa que forneceu as informações sigilosas do religioso – o que segundo a magistrada, não foi aprofundado naquele momento. Era de extrema confiança do padre, até 2017.
Bráulio Cabriny é irmão de Onivaldo e proprietário da GC Construtora e Incorporada, que realizou movimentações financeiras atípicas com a Afipe, segundo o texto. Além disso, esteve em oito transações imobiliárias com a associação.
Outros nomes
Também investigada é a conselheira fiscal da Afipe, Celestina Celis Bueno. Ela foi sócia, junto com o advogado da Afipe Anderson Reiner Fernandes, da Rede Demais, de Gleysson e Onivaldo, onde esteve de 2014 a 2018. Nesta, ela chegou a depositar, em julho de 2016, R$ 2.718.331,09. Esta mesma empresa de comunicação recebeu outros R$ 2.071.050 da Afipe, naquele momento. Quando ela deixou essa instituição, contudo, não houve pagamento relacionado à venda das cotas dela, diferente de outro caso.
Celestina teria recebido R$ 4 milhões pela sua cota de uma outra empresa (Rede Autonomista de Rádio Difusão), em 2016, quando deixou o quadro societário. Porém, foi comprovado, segundo o texto da juíza Placidina, o recebimento deste valor um ano antes, durante os meses de julho e setembro de 2015.
Já o advogado Anderson, se tornou o único sócio da Rede Demais, desde a saída de Celestina. Os dados bancários dele apontam cinco transações imobiliárias com a Afipe, em 7 de julho de 2016, no montante de R$ 2.589.570. Nesta mesma data, a associação transferiu, conforme exposto na decisão, imóveis adquiridos desta instituição de Anderson para a empresa Vilela e Araújo Agropecuária pelo valor de R$ 7 milhões.
Anderson passou, ainda, pelo quadro societário da Rádio Positiva por 15 dias (de 25 de março de 2019 a 9 de abril de 2019), mas transferiu para os sócios da Sul Brasil: Ademar Euclides Monteiro e Marcos Antonio Alberti. Ainda sobre Anderson, ele também é o atual sócio da Sistema Alpha de Comunicação Ltda. (junto com Celestina, Marcelo Martins da Silva e Valdir Alves Marques). A empresa vendeu para a Afipe uma residência na Praia de Guarajuba (BA) por R$ 2 milhões.
Posto Kurujão
Pré-candidato a prefeito de Trindade e dono da maior rede de postos de combustível de Goiás, o Posto Kurujão, e da KD Amdministradora de Bens, Douglas Reis também aparece na decisão de Placidina. Estas duas também teriam realizado uma série de transações imobiliárias, entre 2018 e 2019.
A KD, segundo informado, recebeu dezenas de imóveis de propriedade das Afipes em acordos, que foram “evidentes prejuízos” para as associações. Foi apontado possível crime de lavagem de dinheiro, nestas. A Afipe teria celebrado, também, um acordo com imóvel adquirido em 2013 por R$ 1,350 milhão por R$ 2 milhões com a KD, em 2019. A empresa, em seguida, hipotecou o bem por R$ 7,350 milhões em negociação com a empresa Raizem Combustíveis S.A. (Shell). Isso teria ocorrido com dezenas de outros imóveis, conforme exposto na decisão da magistrada magistrada.
A KD Aministradora de Bens teria sido constituída em novembro 2018 por Ademar e Marcos Antônio, proprietários da Sul Brasil. Porém, eles foram substituídos por Douglas Reis, Elza Fátima dos Reis e Vivian Fátima dos Reis, os mesmos proprietários do Auto Posto Kurujão.
Em 2018, conforme o texto, foi criada a Kurujão Administradora de Bens. Nela, são sócios Douglas Reis e os dois últimos sócios da Sul Brasil: Ademar Euclides e Marcos Antônio Alberti.
Mais empresas
A Sul Brasil também manteve negócios com a Afipe. “Outro fato que desperta atenção são as transações bancárias ocorridas nos anos de 2017 e 2018, nas quais a empresa de comunicação depositou, inicialmente, R$ 1,250 milhão para Onivaldo Júnior, que foi devolvido por ele à Sul Brasil dois meses depois.” Depois dessas transações, Onivaldo recebeu R$ 180 mil.
Ademar e Marcos também criaram a Terra Nobre Administradora de Bens, em abril de 2018. Esta também negociou imóveis com a Afipe, conforme relatado na peça judicial. Trata-se de uma fazenda na zona rural de Abadiânia.
A associação teria adquirido a Fazenda Serenta e Monjolinho, da Agropecuária Nova e Eterna Aliança Ltda. por R$ 6,308 milhões em março de 2016. Três anos depois, a Afipe vendeu o imóvel para a Terra Nobre pelo mesmo valor. Esta foi a única transação da empresa.
Mudanças de sócios
A Afipe também teria adiantado, em 2016, conforme notas explicativas de 2018, R$ 67,406 milhões a Sul Brasil e 29.999.999,99 a WKS Empreendimentos Imobiliários. Esta última foi criada por Wander Divino e pela pessoa jurídica Work Show Produções e Entretenimento Artísticas Ltda. (também de Wander). Contudo, em 2019 Wander deixou a sociedade e os sócios da Sul Brasil, Ademar e Marcos Antônio, entraram.
Com isso, Ademar e Marcos acumulam as empresas Sul Brasil, Terra Nova e WKS, sendo que esta última recebeu R$ 32.616.162,01 milhões da Afipe de 22 de setembro de 2016 a 3 de janeiro de 2018. A data de abertura da WKS, destaca-se, foi feita em 21 de setembro de 2016: um dia antes do primeiro repasse da Afipe, segundo consta da decisão.
Vale ressaltar que todas as empresas ligadas a Ademar e Marcos Antônio (KD, WKS, Via Mais – Administradora de Bens Ltda., e Terra Nobre) têm o mesmo endereço: Av. Dep. Jamel Cecílio, 3455, Qd. C9 Lt. 2E, sala 1302, Ed. Flamboyant Park Business, em Goiânia. O contador de todas elas, exceto da WKS, é José Pereira César (da empresa Auditec), o mesmo das pessoas jurídicas ligadas a Afipe.
Desta forma, segundo os promotores de justiça apuraram e foi exposto na decisão da juíza Placidina, há indícios da prática de crimes de apropriação indébita, organização criminosa e
lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores pelos investigados. O Mais Goiás mantém o espaço aberto para que todos os citados possam se manifestar.
Em coletiva de imprensa, nesta sexta, o promotor Sebastião Marcos Martins fez questão de ressaltar que todos os documentos apreendidos na Operação Vendilhão ainda serão analisados, a fim de verificar se, de fato, ocorreram irregularidades. Além disso, ele ressaltou que os envolvidos serão ouvidos na próxima semana. Foi autorizado, ainda em março deste ano, o bloqueio de valores nas contas do Auto Posto Kurujão, Kurujão Administradora de Bens, KD Administradora de Bens, Sul Brasil e Afipes no montante de R$ 60 mil.
Por Mais Goiás