“Em breve continuaremos a luta para alcançar a recuperação da democracia na Venezuela”, diz o ex-diplomata após chegar ao país europeu – (crédito: AFP)
Tensão aumenta após debandada do ex-candidato González do território venezuelano no sábado (7/9). Perseguido politicamente pelo regime chavista, rival de Nicolás Maduro foi recebido ontem em Madrid, onde receberá asilo político
González e sua esposa embarcaram na noite de sábado (7/9) em um avião da Força Aérea espanhola, pousando ontem (8) na base Torrejón de Ardoz, perto de Madrid, pouco depois das 11h (horário de Brasília). “Confio que em breve continuaremos a luta para alcançar a liberdade e a recuperação da democracia na Venezuela”, disse o ex-diplomata, em áudio divulgado por sua equipe após chegar ao país europeu.
A fuga ocorre dias após um mandado de prisão contra o ex-diplomata por crimes eleitorais, solicitado pelo Ministério Público (MP) e aceito pela Justiça venezuelana na última segunda-feira (2). Ele é acusado de publicar cópias de mais de 80% das atas de votação em um site, defendendo sua vitória com mais de 60% dos votos na eleição de 28 de julho. No entanto, o governo afirma que o material é repleto de inconsistências.
Segundo o MP, aliado ao presidente Nicolás Maduro, o pedido de prisão foi apresentado após González ignorar três intimações para prestar depoimento. O ex-diplomata, por sua vez, denunciou que o órgão estava atuando como um “acusador político” e argumentou que, caso comparecesse, seria submetido a um processo “sem garantias de independência”.
A líder da oposição, María Corina Machado, declarou que a saída do presidente eleito da Venezuela foi necessária para “preservar sua liberdade e sua vida” em meio a uma “brutal onda de repressão”. “Sua vida corria perigo, e as crescentes ameaças, citações, mandados de prisão e, inclusive, tentativas de chantagem e coação de que foi objeto demonstram que o regime não tem escrúpulos nem limites em sua obsessão em silenciá-lo e tentar subjugá-lo”, publicou no X (antigo Twitter).
Horas depois, Corina anunciou que, “no dia 10 de janeiro de 2025, o presidente eleito Edmundo González Urrutia será empossado como presidente constitucional da Venezuela e comandante das Forças Armadas nacionais. Que isso fique bem claro: Edmundo lutará de fora junto à nossa diáspora, e eu continuarei fazendo isso aqui, ao lado de vocês”.
Ainda no domingo (8), o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, disse que a fuga de Urrutia representa o fim de “uma comédia”. “Eu diria que termina a breve temporada de uma peça humorística, de um gênero que eu poderia dizer de comédia, de teatro bufão”, ironizou Saab.
Apoio internacional
Desde a proclamação da vitória de Maduro, com 52% dos votos, ocorreram protestos em todo o país. Estados Unidos, União Europeia e nações da América Latina rejeitaram o resultado anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e pediram uma verificação dos votos, mas o CNE adia a entrega das atas, alegando que foi alvo de um ataque cibernético. O conselho afirma, porém, que a invasão hacker não pôde alterar os votos, que são protegidos por sistema analógico próprio.
No sábado, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, chamou González de “herói que a Espanha não vai abandonar”, durante reunião do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) em Madrid. Além dele, pronunciou-se o chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, afirmando que “é um dia triste para a democracia na Venezuela” e ressaltando que, “na democracia, nenhum líder político deveria ser forçado a buscar asilo em outro país”. “A UE insiste que as autoridades venezuelanas acabem com a repressão, as detenções arbitrárias e o assédio contra membros da oposição e da sociedade civil, assim como libertem todos os presos políticos”, diz Borrell em comunicado.
Perseguição crescente
O venezuelano Rufo Chacon, 21 anos, vive atualmente na Espanha, em razão da opressão que sofria em seu país natal. Chacon afirma que Edmundo González conta com o apoio da população, “pois estava sendo perseguido por esse governo corrupto”. “Se o tivessem capturado, ele teria sido torturado e desaparecido como muitos venezuelanos”, diz ao Correio.
O jovem teve de fugir da Venezuela com a mãe e a irmã, de 7 anos. “Queriam sumir comigo. Sou o sobrevivente que pode falar e mostrar ao mundo como o governo nos tortura. Me deixaram cego, ainda tenho 47 fragmentos de balas no rosto. Eles me perseguiram e tentaram matar minha mãe, pois ela denunciava cada ato de perseguição.”
Para Rufo, a esperança tem nome: María Corina Machado. “Uma mulher forte e honesta que tem estado à frente, lutando por nossa liberdade.” Enquanto ele e sua família não podem voltar à Venezuela, tentam viver com o mínimo no país europeu. “Foi muito difícil sair do meu país e vir à Espanha pedir asilo. Já faz um ano e um mês, e não posso estudar ou trabalhar. Minha mãe tenta trabalhar para nos sustentar. Espero que, em algum momento, haja uma resolução e que nos apoiem.”
Jose Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV), afirmou que a fuga de figuras como Edmundo Gonzalez revela que o regime de Maduro não consegue sustentar uma fachada democrática. “Apesar das tentativas de controlar o sistema eleitoral e manipular os resultados, roubar as eleições não terá sucesso a longo prazo. A comunidade internacional e a maioria do povo venezuelano já não o veem como um líder legítimo e a narrativa da fraude está cada vez mais consolidada.”
Uma venezuelana que não quis se identificar afirma ao Correio: “O clima é de proteção contra a arquitetura do terror. Todos em seus nichos. Ativando redes com chaves, que surgem até com civilidade. Ele ainda não falou e acho que não falará”, referindo-se ao posicionamento de Maduro diante da fuga de González.
Palavra de especialista
“É a primeira vez que um candidato presidencial sai do país tão pouco tempo após a realização das eleições, porém outros políticos opositores (inclusive que estavam em prisão domiciliar) conseguiram sair do país ao longo dos últimos anos. Provavelmente a oposição seguirá pressionando enquanto o governo tende a cercar os espaços de atuação desse grupo. O governo de Maduro tem usado todos os mecanismos institucionais para garantir sua permanência no poder e o Judiciário tem sido um de seus aliados mais importantes.”
Por CB