Modalidade permite ao trabalhador com carteira assinada fazer empréstimos com garantia do FGTS e multa rescisória em caso de demissão
O governo planeja lançar uma medida para estimular o acesso ao crédito e a atividade econômica no país a partir de fevereiro. Nesta semana, os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Luiz Marinho (Trabalho e Emprego) anunciaram, junto ao presidente da Federação Brasileira de Bancos, Isaac Sidney, uma série de mudanças nas regras para o crédito consignado, com o objetivo de atrair trabalhadores da iniciativa privada que possuem carteira de trabalho.
As alterações devem ocorrer nas contratações de empréstimo por meio do e-Social, uma plataforma criada pelo governo federal, em 2018, para reduzir a burocracia em serviços públicos. Com o sistema, o trabalhador celetista poderá negociar e comparar valores e juros de diferentes bancos antes de decidir pela contratação de um crédito consignado.
Apesar de as mudanças serem atrativas, especialistas avaliam que os bancos devem ser os maiores beneficiados com as medidas, pois as operações terão como garantia o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que é descontado automaticamente na folha salarial dos empregados pela própria empresa. Por isso, eles alertam que é necessário ficar com as surpresas, além de estabelecer um motivo pelo qual deseja tomar o empréstimo.
Todos os trabalhadores com carteira assinada poderão ter acesso ao crédito diferenciado. O governo prevê que a medida beneficiará cerca de 42 milhões de pessoas. Segundo o ministro Luiz Marinho, não haverá mudança no percentual do FGTS que pode ser usado como garantia nessa operação, que atualmente é de 10% do saldo total, acrescida a totalidade da multa rescisória para quitar o empréstimo — caso o trabalhador seja demitido.
O Executivo não definiu se a mudança virá por meio de Medida Provisória (MP), ou se será por conta de um projeto de lei. O objetivo é estimular a atividade econômica em um momento em que os juros estão cada vez mais altos. Nesta semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) aprovou o aumento em 1 ponto percentual na Selic, passando para 13,25% ao ano. O ajuste era esperado pelo mercado, que acredita em uma taxa superior a 15% em 2025.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou, ontem, o trabalho para a elaboração do novo crédito consignado. “Parecia uma coisa impossível e ontem chegamos a um acordo (com os bancos). Vai ser o maior programa de crédito da história desse país. Se prepare, vem uma bomba boa de crédito neste país”, disse, em entrevista coletiva, no Palácio do Planalto.
“Eu acho que pouco dinheiro nas mãos de muitos significa distribuição de renda e muito dinheiro nas mãos de poucos significa miséria”, reforçou. “Faltam alguns ajustes de linguagem jurídica na lei que queremos mandar”, completou o petista.
Na avaliação do economista-chefe da Ecoagro, Antônio da Luz, a decisão de utilizar o FGTS como garantia é acertada, pois pode agradar as instituições e facilitar o acesso ao crédito. “Usar esse recurso como um lastro para minimizar a inadimplência torna o risco do emprestador muito mais baixo. E, consequentemente, o juro também fica mais baixo para todo mundo”, ressalta o especialista.
A advogada trabalhista Flavia Maria de Oliveira avalia que a medida é positiva por proporcionar que o trabalhador opte pelo consignado de outro banco, além da instituição no qual ele recebe o salário mensal.
“O governo quer tornar isso possível, fazer com que as instituições bancárias reduzam as taxas de juros, aumentar a competitividade e garantir que o empregado tome empréstimos com desconto de folha de pagamento em qualquer instituição bancária, considerando a taxa de juros”, aponta.
Apesar disso, um ponto criticado entre os especialistas é que a iniciativa permite aos bancos e instituições financeiras o acesso às informações fiscais, previdenciárias e trabalhistas disponibilizadas pelo empregador no e-social, o que viola a Lei nº 13.709, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), assim como o dever de observância ao sigilo fiscal previsto no Código Tributário Nacional (CTN).
Para o economista e fundador da calculadora do Gain, Allan Couto, a LGPD, por si só, necessita de atualizações. “Essas bases de dados são comercializadas fora dessa lei. Então, isso vai aumentar, porque, hoje, isso é feito só para o consignado. Se vai ter direito para todo mundo que é privado, também vai aumentar muito a quantidade de gente como potencial cliente para esse produto. A base de dados comercializada vai ser quase que a totalidade”, sustenta.
Fique atento
Tomar um empréstimo é uma decisão que deve ser feita com muito cuidado, sempre de olho no objetivo que se quer alcançar e nos possíveis riscos. Diante disso, o especialista em finanças e diretor da Valorum Empresarial, Marcos Sarmento Melo, explica que, pelo lado do contratante, a decisão envolve o que ela precisa e o que ela tem condições de pagar, depois. Caso ela pegue emprestado uma quantidade muito alta de dinheiro ou, o que é recorrente, faça novos empréstimos cumulativamente, em algum momento ela pode deixar de pagar.
“Se ela deixar de pagar, vai ter consequência grave. Ela não vai ter mais crédito, provavelmente, outras instituições não vão emprestar dinheiro para ela, não vai poder comprar a crédito, não vai poder usar um cartão de crédito, não vai, eventualmente, alugar imóvel, ou automóvel, até, vai ficar com o nome sujo”, reforça.
De modo geral, o especialista acredita que, para pessoa física, não convém tomar empréstimo, a não ser em situações especiais. “Se está tomando empréstimo, é porque já é o sintoma de alguma doença. E aí, o que a pessoa precisa fazer? É verificar o motivo que está precisando tomar dinheiro emprestado para poder contar, para fechar o ralo. Ter um planejamento melhor, tentar aumentar a renda e assim por diante”, explica.
Segundo o diretor administrativo da Icasb Saúde Financeira, Francisco Rodrigues, é necessário estar atento às taxas oferecidas pelos bancos e não contrair empréstimos com parcelas a longo prazo, neste momento. “O que seria esse longo prazo? Não assumir, por exemplo, parcelas que ultrapassem 24 ou 36 meses. Então, eu diria, para caso tome essa decisão, que seja, no máximo, em 24 parcelas, mas, para ser mais cauteloso, em 12 parcelas”, destaca.
Rodrigues acredita que muitas pessoas verão a mudança como uma oportunidade para fazer compras de imóveis, trocar o carro, mas não para resolver exatamente as questões essenciais. “Sem analisar o seu custo de vida, sem analisar o médio e longo prazos, sem analisar as condições econômicas daqui para o futuro, mais a inflação, pode ser uma decisão muito arriscada”, diz.
Por CB