A chegada ao Brasil da ômicron, a nova variante do coronavírus, colocou em xeque a manutenção de eventos como o Carnaval e o Réveillon no Brasil. A combinação entre o aparecimento da nova cepa, as flexibilizações das medidas não farmacológicas e a aproximação das festas pode aumentar o número de casos e estragar a festa. Especialistas consultados pelo UOL dizem que “o momento não é de flexibilizar”, mas de dar “um passo para trás” e retomar as medidas de restrição. Para o Natal e Ano Novo, eles recomendam festas pequenas, em local arejado e com todo mundo vacinado.
Restrições e máscaras Em Belo Horizonte, um decreto da prefeitura em 15 de outubro permitiu o funcionamento de bares e restaurantes sem restrições de horário e autorizou público em eventos sociais e shows ao vivo desde que seja apresentado comprovante de vacinação completa. No dia 2 de novembro, foi a vez de a Prefeitura de Belo Horizonte liberar a capacidade total de público em eventos e estádios. Desde 28 de outubro, Curitiba permite 50% de acesso público a eventos em espaços abertos sem a obrigatoriedade de apresentar teste negativo para covid. Já no Distrito Federal, o uso de máscara não é obrigatório desde 3 de novembro em ambientes abertos.
No estado de São Paulo, o abandono de máscaras em áreas abertas será permitido a partir de 11 de dezembro, mas o governador João Doria pediu novos estudos após dois casos com a variante serem confirmados. Já no Rio de Janeiro a regra já vale na capital desde 28 de outubro, quando também liberou o funcionamento de casas noturnas com capacidade máxima de 50%. Em 17 de novembro, a Prefeitura do Rio também decidiu que o uso de máscaras não é mais obrigatório em academias de ginástica, piscinas, centros de treinamento e de condicionamento físico e pistas de patinação, desde que os estabelecimentos garantam que todos estejam completamente vacinados.
Em Salvador, o uso de máscara ainda é obrigatório, mas nenhum comércio precisa aferir temperatura nem controlar o distanciamento social de um metro.
Chegada da ômicron ao Brasil.
Mesmo com a variante do vírus já no Brasil, a imunologista Ana Marinho, da Asbai (Sociedade Brasileira de Alergia e Imunopatologia), defende a apresentação de certificado de vacinação nos aeroportos —como sugere a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), embora o governo resista— e, principalmente, “testagem nos aeroportos para mapear quem está doente e isolar”. “As pessoas terão de se organizar para medidas de prevenção mais intensas, maior vigilância”, defende. Infectologista do Hospital Emilio Ribas, Francisco Ivanildo de Oliveira Júnior considera a testagem em massa, “inclusive em assintomáticos, mais efetiva do que bloquear em aeroportos quem vem da África”.
“Se a variante está em diversos países, daqui a pouco não vai fazer diferença se o indivíduo veio da África ou da Europa. Temos de detectar quem veio do exterior, fazer o diagnóstico precoce com testagem e isolar se preciso”, afirma.
Flexibilizar ou retroceder?
“Todos os países que flexibilizaram perceberam que não dá e estão voltando atrás”, diz Cristina Bonorino, imunologista da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia). “São decisões de quem não lê jornal. Não é o momento para flexibilizar.”
Ela defende que “a máscara não deve ser abandonada em nenhum ambiente, aberto ou fechado”: “Mas é uma questão de bom senso. Se você está na rua 25 de Março, cheia de gente, use máscara.
Se está no parque Ibirapuera, ao ar livre, com distanciamento, pode ficar sem ela”.
Oliveira Júnior, do Emílio Ribas, lembra que a pressão econômica para a retomada dificulta o retorno das medidas restritivas, “mas é preciso saber o momento de recuar porque, se demorar muito, pode ser tarde demais”.
“Não será fácil voltar atrás, as pessoas estão cansadas. Haverá muito mais resistência a uma nova quarentena do que no ano passado, quando as pessoas estavam mais dispostas a se isolar”, diz o médico.
Para Ana Marinho, da Asbai, “já é hora de rever as flexibilizações sem dúvida nenhuma”. “Temos de dar um passo para trás, a pandemia nos ensinou isso.As decisões são tomadas semana a semana, dia a dia”, afirma. “Além da nova variante, a curva de infecções se estabilizou em alguns estados, onde a cobertura vacinal é baixa. As medidas de flexibilização devem ser revistas sem dúvida nenhuma.”
Como serão as festas? Apesar das flexibilizações em muitas cidades, a ômicron já é responsável pelo cancelamento das festas de fim de ano em ao menos dez capitais brasileiras e no Distrito Federal. Com ou sem restrições governamentais, os especialistas são unânimes: é melhor se preparar. Cristina Bonorino lembra que a expansão do vírus é silenciosa, “quem transmite costuma estar assintomático”. “Principalmente onde a vacinação não avançou, é preciso usar máscara nas festas, manter distância uns dos outros, lavar sempre as mãos e preparar festas em ambientes ventilados”, diz ela, que reforça os cuidados aos mais velhos e imunossuprimidos, como quem faz quimioterapia:
“Esses não devem ficar perto de outras pessoas o tempo todo”.
Oliveira Júnior sugere evitar festas com aglomeração. “Se tiver contato com alguém infectado, precisa fazer teste e quarentena. Prefira reuniões em lugares abertos, guarde distância e use máscara quando não estiver comendo”, diz. Ana Marinho aconselha “evitar grandes festas e estimular que as pessoas do seu convívio se vacinem, porque isso protege os outros em volta também”.
“A gente estava avançando na flexibilização, mas, diante de uma nova variante de preocupação no mundo, é preciso uma cobertura vacinal de segunda dose maior. Até lá, é preciso muita cautela”, diz Ana Marinho.
O médico do Emílio Ribas concorda. Ele diz que a preocupação com a nova cepa só ocorre em razão “da distribuição heterogênea da vacinação”. “A ômicron é resultado da má distribuição da vacina na África”, afirma. “Só vamos controlar a pandemia quando a população no mundo inteiro estiver uniformemente vacinada.”
Cristina Bonorino diz que “as vacinas que existem vão proteger em algum grau” contra a nova cepa, mas quanto mais desigual for a vacinação, maior a chance de uma nova variante driblar os imunizantes. “Estamos brincando com uma bomba.”
Oliveira Júnior lembra que ainda vai demorar até que o mundo tenha informações suficientes sobre a efetividade dos imunizantes contra a ômicron. Ele diz que as 50 mutações na proteína Spike, que liga o vírus à célula humana, indicam que sua transmissibilidade é maior.
A boa notícia é que, “quando sofre muitas mutações, a cepa também pode ser menos funcional”, causando menos danos. “Mas ainda precisamos de algumas semanas para ter todas as respostas.”
Por UOL