Jovem que mora em Trindade foi diagnosticado com doença renal crônica, já recusou transplantes duas vezes e tem de submeter-se à hemodiálise
“É egoísmo uma mãe querer que o filho não desista de viver? Acho que não. Eu faria isso por qualquer pessoa, mesmo que não fosse meu filho.” Assim a professora Edina Maria Alves Borges, de 55 anos, justifica ter iniciado uma batalha judicial contra o próprio filho, José Humberto Pires de Campos Filho, de 22, para obrigá-lo a submeter-se a sessões de hemodiálise. “Ele decidiu morrer e acha que é um direito. Como mãe, só quero que ele lute pela vida dele.”
Mãe e filho moram em Trindade, cidade vizinha de Goiânia, e o rapaz foi diagnosticado com uma doença que impede o funcionamento dos rins. Desde os 15 anos, Humberto vivia com o pai nos Estados Unidos, onde concluiu o ensino médio e tinha plano de fazer universidade. “Ele foi passar as férias com o pai, que é controlador de voo e reside em Boston, e decidiu ficar por lá.”
Ela conta que a doença só foi descoberta em julho de 2015. “Ele fazia esportes, nadava muito bem, mas trabalhava em um restaurante para ter direito à residência permanente. No dia 23 de julho, viu que os pés estavam inchados e achou que era do trabalho. Dias depois estava internado. Em setembro, fizeram a biópsia e diagnosticaram a doença renal, só resolvida com transplante.”
Edina conta que a resistência ao tratamento começou aí. “Ele tinha plano de saúde, mas se negava a ir para o hospital. Também recusou a lista de transplante. Ele passou a ficar na casa da minha filha, que também mora nos Estados Unidos, mas ela não estava aguentando mais. Ele não queria se tratar e ela não tinha condições psicológicas para lidar com isso, então pedi que viesse embora.”
O jovem retornou em maio de 2016, mas continuou resistindo ao tratamento. Só em dezembro aceitou fazer sessões de hemodiálise. “Ele foi convidado para o Incor de Brasília para uma consulta preparatória para o transplante, mas recusou e o médico não pode fazer nada.”
Edina é professora e dava aulas de Educação Física na rede estadual, mas desistiu da carreira para cuidar do filho. Hoje, trabalha em casa e os dois dividem o mesmo teto. Em casa, os conflitos giram exclusivamente em torno da saúde dele. “A Medicina tem recursos e ele tem plano de saúde, eu só quero que se trate. Como um jovem que nem completou a formação universitária, não seguiu uma carreira profissional, nem teve um relacionamento amoroso mais duradouro pode decidir em que momento pode parar a vida?”
Justiça. Foi isso que ela argumentou com o juiz na audiência em que conseguiu a interdição parcial do filho para obrigá-lo ao menos, a fazer a hemodiálise. Foi quando o juiz perguntou se ela não estava sendo egoísta ao querer decidir sobre a vida do filho. Ela sabe que José Humberto vai tentar convencer a Justiça de que é livre para aceitar ou não um tratamento médico.
Uma perícia feita pela Junta Médica do Tribunal de Justiça de Goiás atestou que ele tem “total capacidade de entendimento”, mas “imaturidade afetiva e emocional”, o que tornaria parcial sua capacidade de tomar decisões. Por isso, determinou-se a hemodiálise.
Advogado. Nesta quarta-feira, 15, José Humberto compareceu à subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Trindade, para conversar com o advogado nomeado para o caso. Ele pretende derrubar a liminar. “Se a Justiça me tirar, o plano de saúde suspende a cobertura e o hospital nega o atendimento, a não ser que ele esteja em coma”, diz ela.
Sua esperança é uma consulta com um psiquiatra que o jovem terá nesta sexta-feira, 17. “Dizem que está com síndrome de luto, pois quer se entregar à doença e não se sente culpado pelo que eu estou passando. Mas parece interessado nessa consulta.”
Edina conversou com a reportagem por telefone, em casa, sem evitar que o filho ouvisse trechos da conversa. “Ele está no quarto, passando mal, porque ontem quebrou a dieta e comeu pizza e lasanha. Está revoltado porque hoje à tarde vai ter de fazer hemodiálise. Ele não quer falar com ninguém, fica no quarto, todo coberto, com o ar-condicionado ligado no máximo”, afirma ela. “A gente conversa, mas tem muitas horas de silêncio. As horas ficam longas, parece que o dia não passa.”
Por Mais Goiás