Jornal Opção acompanhou o submundo do crime organizado por duas semanas, tendo negociado diretamente com os criminosos
A evolução do comércio também chegou ao tráfico interestadual e internacional de drogas e de armas, que ampliou a área de atuação para além da ‘velha boca de fumo’, invadindo as plataformas digitais. Entorpecentes como a maconha, LSD, skank, cocaína e outros são vendidos e anunciados aos montes em grupos de WhatsApp e Telegram, numa espécie de cracolândia cibernética.
Por duas semanas, o Jornal Opção se infiltrou no submundo do crime organizado, acompanhando e negociado com criminosos, a fim de mostrar a ousadia dos responsáveis por uma das mais rentáveis atividades ilegais do mundo. O tráfico de drogas movimenta R$ 19 bilhões por ano no Brasil e o país é o segundo em consumo de drogas no mundo.
No espaço virtual que reúne traficantes, usuários de drogas e criminosos faccionados, inclusive, do Primeiro Comando da Capital (PCC) tudo é ‘legalizado’. São inúmeros anúncios de drogas, que variam de acordo com qualidade e quantidade, até a venda de armamento pesado, como granadas, pistolas, revólveres e até fuzis de uso restrito das forças armadas.
No comércio virtual de entorpecentes as drogas, principalmente ecstasy e maconha, são enviadas para todo o País. Os produtos são rastreados pelos próprios vendedores e compradores desde o momento que são despachadas até a chegada no destino final.
Organização
Audaciosos e organizados, alguns ‘comerciantes’, com o auxílio de tabelas de preços, anunciam o produto com o frete por conta do comprador. Outros, não cobram a entrega que é realizada pelos Correios ou diretamente em mãos, a depender do local. O quilo da maconha, uma das drogas mais comuns no país, é vendido em Goiás por membros do PCC a R$ 8 mil. O peixe, como também é conhecida a cocaína, por outro lado, é comercializada pela facção a R$ 14 mil o kg. Eles justificam o preço:
“Tá ligado, vead*? A gente corre com os caras do Paraguai, ladrão. Nós temos uns parça lá, saca? Mas nós ‘tem’ que ter o mínimo de confiança. Coloca a gaso que a gente cola ai na sua quebrada, eu e o meu parceiro, demoro? Estamos com quatro carros parados de mercadoria aqui em Rio Verde. Buscamos 25 quilos de maconha e 18 de pó esses dias, mas vamos buscar mais essa semana, vead*. Aqui é PCC, nós ‘corre’ com PCC, pode crê!”, explica, por telefone, o traficante ao repórter.
Na conversa, ele ainda se refere a uma facção rival e aos contatos que garantem o suposto sucesso dos negócios:
“CV (Comando Vermelho) não tem vez não. Vamos fechar a parceria, mano. Pode ficar tranquilo. Os policia faz nossa segurança, mas nós ‘tem’ que dar R$ 50 mil pra eles. É metade, metade. Você escolhe se entra com R$ 25 mil em nota falsa ou verdadeira. A outra parte é por nossa conta, mas isso é fora o dinheiro para comprar a mercadoria”, disse um membro do grupo, se referindo aos agentes das forças de segurança pública que estariam envolvidos com o narcotráfico.
Negociação
Durante a negociação, o repórter que se passou por um traficante goiano em busca de fornecedores e parças (gíria usada para se referir a amigos ou sócios), chegou a negociar com o membro da facção, além de outros vendedores de pelo menos três cidades: Goiânia, Rio Verde e Anápolis. Ao contrário dos membros da maior e mais perigosa facção do país, os outros vendedores perguntaram como estava o ‘corre’, palavra usada para saber a movimentação do tráfico na região.
Ao ser questionado, o repórter disse que estava fraco e que buscava novas alianças. Em resposta, todos os traficantes responderam praticamente da mesma forma: “Quer pegar uma peça? A vista é um preço, mas no prazo de até 20 dias é mais caro. A gente racha os lucros meio a meio, na parceria. Me manda o endereço que já vou mandar levar hoje. Vem com o PIX, bebê”, brincou um dos anunciantes.
Porém, ao negar a parceria, alguns criminosos não gostaram da resposta. Segundo eles, o repórter está de ‘pilantragem’ e só ‘fala’ por não pegar a droga ou topar uma viagem para o Paraguai, um dos principais destinos do PCC. Já outros, se colocaram à disposição para futuras negociações.
“Fechou então, parceiro. Precisando dos quilos é só dar um salve que eu mando descer aí, beleza? Só paga a gasolina”, disse um dos membros da facção de origem paulista.
Combate
A migração do tráfico de drogas e armas para o espaço cibernético tem dificultado as ações da polícia, mas não as impedido, conforme explica o delegado Rony Loureiro, titular do Grupo Especial de Repressão a Narcóticos (Genarc) de Luziânia.
Para o investigador, as bocas de fumo não deixaram de existir, mas o tráfico evoluiu e ultrapassou fronteiras, tanto terrestres, quanto virtuais, se consolidando em ambos os lados. Ele conta que a venda de drogas, seja nacional ou internacional, e de armas, juntas, podem render condenação de até 56 anos de prisão.
Porém, Rony afirma que esse tipo de crime é praticado por facções criminosas, como o PCC, com quem o repórter negociou. Neste caso, a pena pode ser ainda maior, tendo acréscimo de mais três anos por associação criminosa.
Rony conta que o combate aos crimes de tráfico e corrupção são realizados pelos serviços de inteligência de corporações como PC, PF, PRF e PM, além de órgaõs como o Ministério Público (MP). Em Goiás, a principal instituição de combate a esse tipo de crime é a Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (Denarc). Outras delegacias, como o Grupo de Investigação de Homicídios (GIH), também atuam nesta área, visto que o tráfico é ‘recheado’ de homicídios, normalmente, violentos.
“Seria bastante ingênuo da minha parte se eu dissesse que não existe tentativa de propina para policiais. Esses lobos disfarçados de ovelhas existem e são um câncer. Eles precisam ser punidos. Para combater esse tipo de crime de corrupção envolvendo as forças armadas, existe fiscalização de toda parte e corporações, inclusive de órgãos, como o Ministério Público. Infelizmente, desvios acontecem em todas as profissões, mas estamos aqui para combatê-las”, concluiu.
Todo o material levantado pelo Opção foi encaminhado à Polícia Civil (PC).
Diálogo:
Membro do PCC: Forte abraço meu mano.
Repórter: Forte abraço, monstro.
Membro do PCC: Tá precisando de que, vead*?
Repórter: Corre tá fraco aqui, estou buscando fornecedor. Estou precisando da verdinha prensada, do peixe, LSD, skank e bala.
Membro do PCC: Pode crê que está tendo, porr*. Nós é o crime, cusã*.
Repórter: É nós, vead*. Tô querendo correr com vocês, fechar uma parceria. Pode crê?
Membro do PCC: Demoro mano velho. ‘Coliga’ nós. Estamos com quatro carros de mercadoria parados aqui. É lá do Paraguai. Coisa ‘responsa’, pura. Aquelas 99%, tá ligado?
Repórter: Boto fé demais meu parceiro. Fé em Deus que vai dar certo, caralh*. Vocês fecham com quem?
Membro PCC: Aqui é Primeiro Comando da Capital, vead*. PCC, tá ligado? Nós não corre com CV (Comando Vermelho) não, pode crê?
Repórter: Fechou, monstro.
Membro PCC: Coloca a gaso que nós cola ai em você, pai. Tem que ter o mínimo de confiança, tá ligado, cusã*? Nós já leva um quilo da prensada pra você, vead*.
