Lula vetou iniciativa voltada para os 17 setores que mais empregam no país. Segmento de call center fala em 400 mil vagas em risco em dois anos
Após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetar a desoneração da folha de pagamento, os setores afetados avaliam que terão de fazer demissões e congelar investimentos, caso o veto não seja derrubado no Congresso. A desoneração da folha é voltada para os 17 setores que mais empregam no país e que são responsáveis por nove milhões de empregos.
Enquanto os setores aguardam a decisão do Congresso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta sexta-feira que vai apresentar ao presidente Lula uma medida para substituir a desoneração após a volta da COP, em Dubai. O evento vai até 12 de dezembro. Ele afirmou, porém, que a solução será via Congresso e que só deverá ser apreciada pelos parlamentares após a aprovação da Reforma Tributária e da medida provisória que trata da subvenção do ICMS.
A desoneração da folha substitui a contribuição previdenciária patronal de empresas que são intensivas em mão de obra, de 20%, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Essa troca reduz custos com contratações para atividades como têxtil, calçados, construção civil, call center, comunicação, fabricação de veículos, tecnologia e transporte. Se o veto do presidente não for derrubado, a medida terminaria no fim deste ano.
‘Ducha de água fria’
Para o diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), o veto caiu como uma “ducha de água fria” no setor. Ele diz que haverá demissões e postergação de investimentos, caso o veto não seja derrubado pela Câmara e o Senado:
— A indústria de confecção lamenta profundamente a decisão. Ela joga contra o emprego, que é o desejo de todos nós. A indústria têxtil e de confecção emprega mais de 1,3 milhão diretamente. Somando os indiretos, são 4 milhões de pessoas, e isso vai prejudicar a competitividade desse setor, que enfrenta concorrência internacional enorme. É uma ducha de água fria, mas faz parte da democracia e vamos trabalhar com o Congresso Nacional para, se possível, derrubá-lo.
Ele também teme que haja aumento de custos, com impacto sobre a inflação.
— O veto vai contra o melhor programa social que existe que é a preservação do emprego, e mais do que isso, a geração de postos formais de trabalho. Isso retira competitividade de setores envolvidos, retarda investimentos, tem potencial de gerar aumento de preços, que é menos produção ou menos consumo — disse ele.
‘Insensibilidade com os trabalhadores’
A presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra), Vivien Mello Suruagy, também avalia que a medida de Lula será derrubada pelo Congresso, em função do número de votos que o projeto recebeu nas duas Casas.
— A decisão do presidente deverá ser derrubada pelos congressistas, o que certamente vai gerar desgastes para o governo, que precisa aprovar outras pautas importantes. Apenas na área de abrangência da Feninfra, 400 mil postos de trabalho podem ser fechados em dois anos. Os custos com a folha de pagamento iriam triplicar e as empresas não teriam como absorver esse aumento — afirmou.
Ricardo Path, da União Geral dos Trabalhadores (UGT), teme que haja impacto no emprego próximo do Natal, mas diz que as centrais sindicais vão se mobilizar junto ao Congresso.
— Estamos decepcionados com a decisão do presidente, mostrou insensibilidade com os trabalhadores, os mais vulneráveis, primeiro emprego, e tenho muito receio de qual poderá ser o impacto perto do Natal. Ao mesmo tempo, vamos trabalhar no Congresso para derrubar o veto. Esse é o próximo veto. Não tem condições de o movimento sindical não se indignar e não mostrar sua capacidade de reação junto aos parlamentares.
A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) demonstrou surpresa. O temor é de um impacto negativo à indústria calçadista, que teria uma carga tributária extra de R$ 720 milhões por ano, com impacto na produção e, consequentemente, no emprego. O presidente-executivo, Haroldo Ferreira, destaca que a entidade realizou um levantamento do impacto de uma possível reoneração da folha de pagamentos.
— O impacto, imediato, é de uma perda de 20 mil empregos já no primeiro ano. Taxar a geração de empregos vai contra a desejada política de reindustrialização do país — afirma.
A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) considera o veto à desoneração da folha uma ameaça à estabilidade econômica e milhões de trabalhadores brasileiros.
Impacto na competitividade
Para o presidente da federação, Flávio Roscoe, a desoneração contribui com a competitividade da indústria nacional, a formalização do mercado de trabalho e para a redução das disparidades tributárias.
— O veto poderá resultar na redução de mais de 1 milhão de postos de trabalho no Brasil, acarretando uma perda anual superior a R$ 33 bilhões em massa salarial. Isso vai desencadear demissões em larga escala, com repercussões diretas e indiretas na renda de milhares de famílias, ao mesmo tempo em que colabora para o aumento dos preços de diversos produtos na economia brasileira — alerta Roscoe.
Em nota, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) afirmou que vê com enorme preocupação o veto à desoneração, ressaltando que a medida, que claramente impacta em um aumento do custo de trabalho, tem relação direta com o processo de desaceleração de geração de emprego.
“O fim da desoneração é ruim para os trabalhadores, para as empresas e para o Brasil!”, disse em nota.
A Firjan espera que o Congresso Nacional rejeite o veto e promulgue o Projeto de Lei, garantindo com isso a manutenção de empregos e a competitividade de setores da economia nacional.
Demissões podem chegar a 10%
O presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), entende que a decisão do governo “é muito equivocada”. Ele aposta que o Congresso irá derrubar o veto, porque o projeto foi aprovado com apoio de governistas, da oposição, de sindicatos, centrais sindicais e de empregadores.
Ele lembra que o setor de máquinas caiu 10% em 2022 e está caindo mais 7% este ano. E ainda assim, o saldo de empregos nesse período é positivo. Ele explica que os funcionários têm em média de 11 a 12 anos de estudo, ou seja, são altamente qualificados, e os empregadores resistem ao máximo realizar demissões, pelo investimento em recursos humanos que é realizado.
— Dá pra gente dizer com uma certa margem de segurança que, depois de 12 anos, se eu voltar a recolher 20% sobre a folha, eu vou ter demissões em torno de 10%. Estamos falando em 40 mil empregos diretos. Não é questão de chantagem, o setor teve essa forte queda no faturamento e não demitiu — disse.
O presidente do Sindicato Paulista das Empresas de Telemarketing (Sintelmark), Luis Crem, diz que o setor emprega mais de 1,4 milhão de trabalhadores, sendo que 70% dos trabalhadores são mulheres, a maioria deles, negros e pardos, além de ser o setor com maior representação LGBTQIA+.
“Com o fim da desoneração, não há espaço para aumentos de custos, e os contratantes não estão dispostos a absorver esses adicionais em seus contratos. Como consequência, espera-se uma aceleração na adoção de tecnologias, incluindo inteligência artificial, resultando na extinção de milhares de postos de trabalho”, afirmou em nota.
Ele aposta na derrubada do veto pelo Congresso.
“Apelamos agora aos nossos deputados e senadores que se sensibilizem para a manutenção de milhares de empregos e derrubem o veto presidencial, pois está sendo difícil buscar palavras para explicar aos milhares de trabalhadores o motivo da perda de seus empregos”.
John Anthony von Christian, diretor executivo da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT), estima demissões entre 12% a 15% da mão de obra, o que pode atingir cerca de 200 mil pessoas.
“Empregadores, empregados e sindicalistas estão profundamente desapontados com o veto presidencial ao PL da Desoneração. Trata-se de um projeto que existe desde 2011 e que com grande êxito tem beneficiado o aumento das contratações. O setor de telesserviços emprega formalmente cerca de 1,4 milhão de trabalhadores, incluindo principalmente jovens em seu primeiro emprego, mulheres e negros. Sem a desoneração, as empresas vão ter que demitir porque não conseguirão arcar com os custos. Nós dispensaríamos entre 12% a 15%, algo em torno de 200 mil empregos. O nosso trabalho será árduo no Congresso para reverter este veto, como já fizemos no passado”.
Em entrevista nesta sexta-feira, o ministro da Fazenda defendeu o fim da desoneração, citando preocupação com as contas públicas, e disse que será discutida uma outra alternativa. Haddad disse ainda que a medida não gerou postos de trabalho. Mas um estudo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostra que, de 2018 a 2022, os setores que permaneceram com a folha desonerada tiveram um crescimento de empregos da ordem de 15,5%, enquanto os que foram reonerados cresceram apenas 6,8% no mesmo período. Houve também aumento dos salários dos trabalhadores das áreas que contaram com a desoneração.
Custos triplicados e tarifas mais altas
A Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp) divulgou nota para lamentar a decisão do presidente Lula. A projeção é de que os custos com a folha de pagamentos possam ser triplicados, o que levará a demissões para equilibrar as contas.
“Mais de um milhão de empregos, entre os 17 setores atendidos, estão em risco, assim como a sobrevivência de milhares de empresas. Logo no primeiro momento, 600 mil trabalhadores podem ser demitidos. Haverá uma perda anual superior a R$ 33 bilhões em massa salarial”, estima a entidade em nota.
No setor de transportes, a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), entidade que representa os operadores dos sistemas de metrô, trem urbano, veículos leve sobre trilhos (VLT), teme que a decisão provoque aumento das tarifas para os usuários.
“A medida aumentará os custos para a prestação do serviço, impactando, como consequência, as tarifas de transporte, elevando o custo ao passageiro em cerca de R$ 0,32 por viagem. Atualmente, o valor médio nacional da tarifa está em torno de R$ 4,50 e, em razão do veto, pode ultrapassar R$ 4,82”, disse.
Segundo a ANPTrilhos, o setor está inserido na desoneração da folha desde 2014, o que ajudou na manutenção e ampliação de postos de trabalho:
“A política de desoneração da folha vem sendo aplicada ao setor desde 2014 e ajudou sobremaneira a manter e ampliar os postos de trabalho ofertados pelos sistemas nacionais. Atualmente, o setor conta com mais de 38 mil profissionais, que se juntam aos 8,93 milhões de trabalhadores dos 17 setores contemplados com a desoneração”.
As entidades nacionais do setor de serviços digitais, de Internet, de inovação e de tecnologia da informação – Abes, Abranet, Brasscom, Federação Assespro e Fenainfo – manifestaram “profunda preocupação” co o veto.